Para atender seu leitor ideal — exigente —, o escritor e diplomata João Almino abre mão do conforto e da tal inspiração na hora da escrita. A frase certeira que o satisfaz nasce, então, da disciplina. Nascido em Mossoró, no Rio Grande do Norte, em 1950, Almino é autor do “Quinteto de Brasília”, composto pelos romances Idéias para onde passar o fim do mundo (1987), Samba-enredo (1994), As cinco estações do amor (2001, Prêmio Casa de las Américas), O livro das emoções (2008) e Cidade livre (2010, Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura), alguns deles traduzidos para o inglês, o francês, o espanhol e o italiano. Neste “Quinteto”, o escritor busca desenvolver uma reflexão sobre Brasília como projeto e realização de uma nação. A seguir, Almino comenta alguns de seus procedimentos para a criação ficcional.
• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Aos nove anos de idade comecei a escrever, num caderno de escola, o que imaginava ser um livro.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Trabalho de maneira disciplinada nas primeiras horas do dia e não acredito em inspiração. Se tenho manias e obsessões, preciso que alguém descubra quais são.
• Que leitura é imprescindível no seu dia-a-dia?
Sempre aprendo muito ao ler qualquer página de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust.
• Se pudesse recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?
Um clássico obrigatório para quem se interessa por política: O príncipe, de Maquiavel.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Posso escrever nas mais diferentes situações: em casa, numa biblioteca, num café, ouvindo música ou não, no barulho ou no silêncio. Portanto, não há para mim as tais circunstâncias ideais.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
No silêncio das bibliotecas e, em casa, deitado na cama antes de dormir me concentro melhor.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Do ponto de vista da literatura, é aquele no qual pude dedicar pelo menos três horas ininterruptas à escrita, à pesquisa ou à revisão. Essas horas são sempre produtivas de um ou outro ponto de vista.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Encontrar a frase certeira, sem floreios, em que a linguagem simples e mesmo coloquial se abre a mais de uma camada de interpretação com uma certa elegância.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
A acomodação.
• O que mais o incomoda no meio literário?
O narcisismo.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Lima Barreto.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindíveis são muitos e, se devo citar um, fico com o primeiro romance moderno, o Dom Quixote, de Cervantes. Os descartáveis são a maioria e não merecem menção.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Ser mal escrito.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Qualquer assunto pode entrar na minha literatura, desde que tratado à minha maneira.
• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Brasília.
• Quando a inspiração não vem…
Faço revisões.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Borges.
• O que é um bom leitor?
O leitor exigente, que não se contenta com o mero entretenimento.
• O que te dá medo?
O conformismo e a passividade.
• O que te faz feliz?
Uma boa conversa.
• Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
A certeza de que a literatura se faz de dúvidas.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Ser fiel aos personagens e encontrar a frase certa para cada situação.
• A literatura tem alguma obrigação?
A de ser verdadeira ao criar um mundo fictício.
• Qual o limite da ficção?
Nenhum. Os limites e obstáculos são alimento adicional para a criação literária.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Tentaria convencê-lo a desistir da idéia e procurar conhecer melhor, em primeiro lugar, a humanidade. Para isso, o apresentaria a algumas pessoas simples, do povo e, se ele estivesse interessado e pudesse entender, eu o introduziria a alguns livros, peças ou filmes.
• O que você espera da eternidade?
Paz eterna.