Ainda que seja um leitor nato, desde a infância, pode-se dizer que o André Sant’Anna escritor é conseqüência de um acidente: “Nunca quis ser escritor mesmo” é como ele começa este Inquérito, pois seu início de fato foi com a música, como compositor. No entanto, logo em sua estréia na literatura, com Amor (Dubolso, 1998), em uma tiragem de apenas 500 exemplares, as críticas positivas e a legenda “escritor” abriram-lhe uma nova trilha ao lado da música e do trabalho como roteirista de televisão, cinema e publicidade.
Nascido em Belo Horizonte (MG), em 1964, e atualmente morando em São Paulo (SP), Sant’Anna já publicou Sexo (1999), Amor e outras histórias (2001), O paraíso é bem bacana (2006), Sexo e amizade (2007) e Inverdades (2009). Nestes contos e romances, o conteúdo (de muito sexo e cenas inusitadas), a ironia (presente até no título de seu romance de 2006) e a linguagem construída a partir daquilo que se poderia ouvir em bares ou igrejas, vindo de todas as classes sociais, crenças e preconceitos, marcam a obra do escritor. A seguir, André Sant’Anna fala sobre seu início na literatura, a balança entre ganhar a vida e escrever e a importância de ir ao trabalho com absoluta liberdade.
• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Nunca quis ser escritor mesmo. Eu morava no Rio e tinha um grupo de música performático, escrevia letras para as músicas e textos para as performances. Quando me mudei para São Paulo, para trabalhar com publicidade, fiquei sem grupo, sem turma, sem parceiros. E comecei a escrever sem compromisso. Escrevi e publiquei Amor pela Dubolso. Foi uma edição de 500 livros, que enviei pelo correio a jornalistas, escritores, etc.. Gente como o Antônio Houaiss, o Raduan Nassar, o Millôr, me escreveu de volta. O Bernardo Carvalho publicou uma resenha na Folha e, a partir daí passei a ser considerado escritor.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
A de me conceder liberdade absoluta no que escrevo. Não me preocupo com dinheiro, com mercado e nem com o “escrever bem”.
• Que leitura é imprescindível no seu dia-a-dia?
Nenhuma leitura me é imprescindível hoje em dia. Desde criança, sempre li naturalmente. Mas estou sempre relendo o Glauber Rocha e o Nelson Rodrigues.
• Se pudesse recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?
A revolução do Cinema Novo, de Glauber Rocha.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Quando não estou preocupado com dinheiro, em ganhar a vida.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Em viagens de ônibus.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Quando tenho boas idéias para um novo texto ou quando consigo uma solução para algo que estava empacado.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
A idéia inicial e o momento em que percebo que cheguei ao final de algo e que aquilo deu certo.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
A preocupação em ganhar a vida.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
Nada em especial. Até as poses dos artistas de qualquer meio me divertem.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Jorge Mautner.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível: Grande Sertão: Veredas — J. G. Rosa.
Descartável: Brida — Paulo Coelho.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
A picaretagem. A desonestidade intelectual e artística.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Não há isso. Posso escrever sobre qualquer assunto. Nunca se sabe.
• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Difícil responder, porque o inusitado está em toda parte. Por exemplo: já tirei inspiração vendo um mendigo fazer cocô na esquina de onde moro, sem se esconder, na frente de todo mundo, por volta do meio-dia. Mas depois que o texto está pronto, ele me parece totalmente óbvio.
• Quando a inspiração não vem…
Também não tem isso, não. Vou escrevendo e uma palavra puxa a outra. Se não fica bom, deleto um parágrafo, uma página, começo de novo, etc.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Nelson Rodrigues.
• O que é um bom leitor?
O que não tem uma opinião formada antes de ler o livro.
• O que te dá medo?
A impossibilidade de fazer arte por ter que cuidar dos assuntos mundanos da sobrevivência.
• O que te faz feliz?
Música.
• Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
Sempre penso se o que estou escrevendo é realmente algo imprescindível a se dizer. Tomo muito cuidado para não ser desonesto com o que escrevo, em não fazer algo fake para agradar pessoas ou oportunidades comerciais.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Se vou ter tempo de ir até o fim.
• A literatura tem alguma obrigação?
Nenhuma. A literatura e a arte em geral são a maçã de Adão e Eva. Desafiar Deus. Ir além dos instintos.
• Qual o limite da ficção?
Não tem limites. A ficção pode ir a qualquer espaço/tempo.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Não tenho líderes mesmo. Pelo menos líderes a quem eu reconheça como tais. Mas, claro, tem uns caras aí, na política, na cultura, que a gente tem que engolir contra a própria vontade. A própria cultura é uma imposição, uma inibidora da arte. Mas aí já é outra conversa.
• O que você espera da eternidade?
Putz! Bem… Aí já é aquele velho papo: a eternidade é aqui agora.