Para Vanessa Barbara, literatura é mais que uma “questão de status e posteridade”. A jornalista e escritora, nascida em São Paulo, em 1982, desenvolveu um estilo de escrita despreocupado e envolvente, seja na ficção, na crônica ou na reportagem. Seu trabalho de conclusão do curso de jornalismo se transformou em O livro amarelo do terminal, livro-reportagem sobre a rodoviária do Tietê lançado em 2008, mesmo ano de sua estréia na ficção, com O verão do Chibo, romance escrito em parceria com Emilio Fraia. Vanessa já se aventurou também no terreno dos infantis, com Endrigo, o escavador de umbigo (2011) e, mais recentemente, no dos quadrinhos, com a graphic novel A máquina de Goldberg (2012), em parceria com Fido Nesti. Como tradutora, já verteu obras de F. Scott Fitzgerald, Gertrude Stein e Art Spiegelman para o português, e agora trabalha numa tradução de Alice no país das maravilhas. Ainda cronista da Folha de S. Paulo e colaboradora da revista piauí, neste Inquérito, Vanessa confessa suas manias, revela seu método em casos de falta de inspiração e estipula um importante limite para a ficção.
• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Acho que até hoje não me dei conta.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Adoro usar ponto-e-vírgula, para desgosto de muitos; não sou fã de frases curtas e telegráficas, sobretudo as impactantes e pomposas. Adoro ler romances longos, prolixos e cheios de digressões, de preferência que se passem numa cidadezinha do interior da França. Ou na Rússia agrária.
• Que leitura é imprescindível no seu dia-a-dia?
A leitura de antes de dormir, que pode ser qualquer coisa entre um romance clássico, um thriller policial e um livro de estatísticas sobre divórcio.
• Se pudesse recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?
Se fosse a Dilma da revista piauí, eu certamente recomendaria O morro dos ventos uivantes ou alguma coisa caramelosa. Ela ia amar, se apaixonar pelo Heathcliff e reler para as tias na Noite do Fondue. (A piauí publica mensalmente o Diário da Dilma, escrito pelo Renato Terra.)
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Não existem; gosto de escrever quando estou no ônibus, a caminho de um compromisso, ou no chão do Sesc, esperando a hora de começar o vôlei, mas também em casa, de madrugada, no silêncio absoluto. Uma vez passei uma semana num hotel-fazenda para revisar um livro e deu certo também.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Antes de dormir, deitada na cama com o abajur ligado.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Depende do que estou fazendo: reportagem, tradução, crônica.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Eu gosto de reler os textos e ver que ficaram redondinhos, então entregá-los. Também é bom ler alguma coisa antiga e rir em voz alta, achar legal, dá uma satisfação boa. Outra coisa feliz é quando estou sem idéias de como começar um texto e decido sair pra fazer outra coisa, aí no caminho vou montando um parágrafo na minha cabeça, corrigindo e alterando palavras, até ficar perfeitinho. Então eu despejo no papel e é só continuar. Isso também acontece quando estou no banho, o que é pior, porque eu saio de toalha pingando pelo corredor, morrendo de medo de esquecer o parágrafo.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
Editores ruins ou negligentes.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
O oba-oba social, as fofocas do meio. Gosto de ficar bem longe.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
O Antonio Prata, melhor cronista da nossa geração. O Rubem Braga corinthiano.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível: O demônio do meio-dia, de Andrew Solomon. Descartável: Hercólubus ou planeta vermelho, de V. M. Rabolú. Mentira, esse é legal.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
A pomposidade, o existencialismo forçado, o autor que se leva muito a sério e quer escrever algo profundo.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Vampiros? Micose? Cutelaria? Se bem que…
• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
A praça Tito, um amontoado de mato e cadeiras velhas que alguém erigiu aqui perto, em memória do pai que morreu. Lá tem a inscrição: “Praça Tito — Favor não mexer nos móveis”.
• Quando a inspiração não vem…
Ah, ela vem. Eu me entupo de chicletes e puxo o texto com um fórceps.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Flaubert.
• O que é um bom leitor?
Aquele que não é analfabeto.
• O que te dá medo?
Lagartixas, autoridades, palhaços, metaleiros com voz fininha.
• O que te faz feliz?
Tartarugas, astronomia, sol, sapateado, vôlei, torta de limão, literatura, filmes antigos.
• Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
A certeza de que depois deste texto eu posso escrever outro, depois deste livro um outro, e nada é tão importante para ser levado miseravelmente a sério, como se fosse uma questão de status e posteridade.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Que o texto tenha ritmo e fluidez, seja surpreendente e divertido para o leitor.
• A literatura tem alguma obrigação?
Não.
• Qual o limite da ficção?
Zebras infláveis. Quando chegou em zebras infláveis, tem que parar.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Ao PJ, que é um amigo meu que dança esplendidamente e é o melhor líder no rockabilly que eu já vi. Os ETs iam se divertir muito. Tem também o Fran, que no quesito lindy hop é o líder mais competente.
• O que você espera da eternidade?
Que lá tenha um bom sinal de internet.