O livro infantojuvenil A bolsa amarela, de Lygia Bojunga, foi a fagulha que acendeu em Claudia Lage o desejo de ser escritora. Isso aos oito anos de idade. Igual à protagonista da história, Raquel, ela sentiu “como se encontrasse um caminho para ler e escrever histórias”.
Nascida no Rio de Janeiro em 1979, Lage começou a se destacar ainda bastante jovem em concursos como Rio Arte Stanislaw Ponte Preta, que venceu em 1996 com o conto A hora do galo. Um prenúncio de que os prêmios literários estariam presentes em sua trajetória. Seu romance Mundos de Eufrásia foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura de 2010 na categoria Autor Estreante. Quase uma década depois, em 2019, venceu o mesmo prêmio com O corpo interminável, escolhido o melhor romance de ficção. No livro, Daniel tenta reconstituir a história da mãe, uma guerrilheira desaparecida na ditadura civil-militar no Brasil. As tentativas de reconstruir a sua história pessoal junto à história do país e os fios de memória rompidos moldam a narrativa.
Com seu trabalho de roteirista de TV, conquistou o Prêmio Emmy Internacional de melhor telenovela por Lado a lado, escrita em parceria com João Ximenes Braga e produzida e veiculada pela TV Globo.
Nesta edição do Inquérito, Lage fala sobre “a força criativa, a arte e a imaginação”, além de lembrar de autoras como Clarice Lispector e Hilda Hilst.
• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Acho que foi quando li A bolsa amarela [livro de Lygia Bojunga], eu devia ter 8 ou 10 anos e senti uma coisa estranha quando me deparei com “o desejo de ser escritora” da Raquel, foi como se encontrasse um caminho para o fascínio que eu sentia em ouvir, ler e imaginar histórias… Aprender a escrever também foi um momento importante. Lembro que senti algo especial quando comecei a escrever as historinhas que imaginava… Não era exatamente “quero ser escritora”, mas foi um sentimento de realização e satisfação muito grande, como se tivesse encontrado um lugar, algo familiar, íntimo. De algum modo, a palavra escrita fundava alguma coisa importante para mim, foi uma espécie de identificação e pertencimento.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Cadernos. Escrever, anotar, mesmo que rapidamente entre um compromisso e outro, é uma forma de me manter em conexão com a escrita, com o universo imaginário do que estou escrevendo, é um modo de driblar as demandas e burocracias. Tenho mais de uma edição dos livros que amo e que se tornaram importantes para mim. Eu costumo anotar nas margens quando leio e, um dia, quando estava relendo A paixão segundo G. H. não tinha mais margens livres para anotar nada e por isso comprei outro exemplar. Foi interessante porque foi uma leitura completamente diferente da anterior, como se eu estivesse lendo outro livro.
• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Geralmente, leituras relacionadas ao que estou escrevendo no momento. Por conta do que estou pesquisando para o meu novo romance e para o doutorado, tenho lido mais ensaios sobre arte e linguagens artísticas, entrevistas e artigos sobre processos criativos de artistas (não só escritores) desde o início do século 20.
• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Lula, qual seria?
Ah!, queria mesmo saber qual livro o Lula recomendaria! Mas acho que ele gostaria de ler História das mulheres no Brasil, organizado pela Mary Del Priori.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Ter tempo e silêncio. Mas o tempo é o que importa, já escrevi feliz da vida em lugares barulhentos.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
As mesmas da escrita. Com um bom café.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Quando termino o dia com a sensação de ter tido um profundo envolvimento com a escrita, com a linguagem. Não importa muito se o trabalho rendeu uma página ou dez, sei que estou caminhando.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
O imprevisível. É maravilhoso quando o processo te leva a caminhos que você não havia imaginado antes de começar a escrever. Acho fascinante como o ato da escrita vai abrindo janelas e possibilidades criativas que não passaram por uma elaboração racional, que surgiram, ali, no fazer, junto com a imaginação, a respiração, o corpo.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
As certezas.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
Atualmente, a pressa.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Yara Fers (autora de Anatomia de um quase corpo) e N. Netta (autora de Do tamanho de um grão), escritoras de muita potência criativa.
• Um livro imprescindível e um descartável.
A hora da estrela, de Clarice Lispector. É um livro que se renova a cada leitura. Não lembro de nenhum livro descartável em particular.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Não o escutar.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Tudo pode ser matéria de escrita, o que torna algo literário está mais no nosso olhar no que na coisa em si. Mas escrevo sobre o que me atravessa de alguma forma, um tema específico ou algo mais abstrato, mas sempre há esse atravessamento.
• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Sentada numa cadeira de dentista, enquanto ele fazia uma obturação…
• Quando a inspiração não vem…
Vou fazer outra coisa… e volto.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Clarice Lispector, Katherine Mansfield, Toni Morrison, Diamela Eltit.
• O que é um bom leitor?
Aquele que dialoga com o livro.
• O que te dá medo?
Alguns humanos.
• O que te faz feliz?
A força criativa, a arte, a imaginação, não há nada mais feliz.
• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
A confiança no processo como motor da escrita.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Conciliar o tempo interno com o externo, porque a escrita exige uma imersão maior na subjetividade e na solidão.
• A literatura tem alguma obrigação?
Nenhuma. Mas é interessante e importante pensar em posicionamentos e alinhamentos estéticos e éticos feitos por meio da literatura.
• Qual o limite da ficção?
Nenhum. O instigante é questionar as aparentes fronteiras, expandi-las, reinventá-las.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Hilda Hilst.
• O que você espera da eternidade?
Sei lá.