A leitura do mundo

Otávio Júnior: "Existe? Já escrevi debaixo de muito tiro, granada. Olha que moro no Rio de Janeiro, e não em Bagdá."
Otávio Júnior, autor de “Da minha janela”
02/01/2021

Para Otávio Júnior, vencedor da categoria infantil do Jabuti 2020 com Da minha janela, não há empecilhos que o façam se distanciar da literatura. Nascido em 1983, no subúrbio carioca, Otávio já escreveu debaixo de muito tiro trocado no Complexo do Alemão, onde desenvolve um premiado trabalho de incentivo à leitura, e leu na presença do Caveirão — blindado utilizado pela política militar do Rio para operações especiais. Não à toa, a busca do escritor é por estar sempre conectado com questões pautadas no universo em que vive: a favela. E, para isso, praticar diariamente a leitura do mundo é imprescindível. “Ser escritor tem todo um processo de transformação. No meu caso, ainda é uma grande construção”, explica o autor de O livreiro alemão (2012), entre outros livros, no qual mostra como a ficção alterou o rumo de sua vida, e a partir disso ele tentou mudar o destino de outras pessoas em condições de vulnerabilidade. Por suas ações sociais nos morros do Rio, ganhou o prêmio Faz Diferença, oferecido pelo jornal O Globo, em 2008.

• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Ser escritor tem todo um processo de transformação. No meu caso, ainda é uma grande construção. Quero ser um escritor conectado com questões pautadas no universo em que vivo. A favela.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Gosto de sonhar com a história que vou escrever, sonhar mesmo, deitar e estimular o sonho.

• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Leitura de mundo.

• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Jair Bolsonaro, qual seria?
O idiota, de Dostoiévski.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Existe? Já escrevi debaixo de muito tiro, granada. Olha que moro no Rio de Janeiro, e não em Bagdá.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Confesso que desconheço. Já li em várias circunstâncias, até mesmo na presença do Caveirão.

• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Em que coloco um ponto final em um texto.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Brincar de ser criador. No momento em que estou escrevendo, posso criar a mulher mais poderosa do mundo.

• Qual o maior inimigo de um escritor?
O próprio escritor.

• O que mais lhe incomoda no meio literário?
A arrogância dos autores que não entendem o seu papel social no país, um país de não leitores.

• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Autores das periferias e autoras negras.

• Um livro imprescindível e um descartável.
O pequeno príncipe é imprescindível. Não acredito em livro descartável, até os ruins trazem aprendizados.

• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Uma história mal contada.

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Todos os assuntos são importantes. Acho que para um escritor não existe assunto “descartável”.

• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Em cima de uma árvore.

• Quando a inspiração não vem…
Vai no tranco.

• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Jorge Luis Borges.

• O que é um bom leitor?
Que lê tudo, para descobrir o que é ser um bom leitor.

• O que te dá medo?
Um mundo sem livro.

• O que te faz feliz?
Fazer as pessoas felizes.

• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
A dúvida é uma ferramenta para tirar dúvida. A certeza é só uma…

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
De ser feliz escrevendo…

• A literatura tem alguma obrigação?
Tem. De não ter obrigações.

• Qual o limite da ficção?
A ficção não tem limites. Para o ficcionista, o céu não é o limite.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Bolsonaro. E pediria para ele fazer gentilmente um tour por todos os planetas do sistema solar.

• O que você espera da eternidade?
Tudo e nada.

Da minha janela
Otávio Júnior
Ilustrações: Vanina Starkoff
Companhia das Letrinhas
48 págs.
Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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