A batalha contra o racismo

Vagner Amaro: “Suspeito que espetacularização da literatura tenha um efeito mínimo na formação de leitores e na possibilidade de um debate literário mais sério”
Vagner Amaro, autor de “Deixe que eu sinta teu corpo” Foto: Caio Basilio
01/01/2025

Vagner Amaro é um dos fundadores da editora Malê, voltada para a promoção da produção intelectual de escritores negros e negras. A editora vem resgatando o protagonismo negro na literatura brasileira ao publicar obras como Machado de Assis afrodescendente: antologia e crítica, organizada por Eduardo de Assis Duarte, e a biografia de Carolina Maria de Jesus, escrita por Tom Farias.

Além de editor, Amaro também é autor de ficção. Estreou em 2018 com o volume de contos Eles, em que aborda questões contemporâneas como violência urbana e conflitos sociais de ordem econômica e de gênero.

“Todos os assuntos podem entrar na minha literatura”, diz o escritor nascido no Rio de Janeiro. “Mas tenho um compromisso, uma preocupação de não fazer propaganda para situações que reforcem o racismo, a homofobia, o feminicídio…”

Em seu livro mais recente, Deixe que eu sinta teu corpo, ele aborda situações ligadas a relações homoafetivas e interraciais. Em um dos contos, um professor de literatura, leitor do romance Bom-crioulo, de Adolfo Caminha, luta para viver um grande amor.

Neste Inquérito, Amaro também fala sobre como, ao escrever, gosta de “deixar o texto um pouco sujo, menos redondo”. “Equilibrar concisão e manutenção de impurezas é minha obsessão e acredito ser uma obsessão por ser percebido por mim como um equilíbrio irrealizável”, diz.

• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Ainda pré-adolescente, lendo crônicas de Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Clarice Lispector. Foi quando passei a sonhar em fazer jornalismo e trabalhar como cronista. Com 18 anos, desisti de ser escritor e aos 40 publiquei o meu primeiro livro.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Reduzir o texto, exercitar expressar um sentimento com grande densidade em poucas palavras. Gosto das falhas também, de deixar o texto um pouco sujo, menos redondo. Equilibrar concisão e manutenção de impurezas é minha obsessão e acredito ser uma obsessão por ser percebido por mim como um equilíbrio irrealizável.

• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Notícias do dia.

• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Lula, qual seria?
O mundo se despedaça, do Chinua Achebe.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Ter tempo, descanso, silêncio, solidão, coisas que poucos escritores privilegiados conseguem ter, e inspiração, que é uma visita impositiva do mistério.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
É o encontro amoroso do leitor com o livro. Essa é a circunstância que, quando ocorre, qualquer outra perde a importância.

• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Quando consigo pensar algo novo, algo que, mesmo não sendo genial, seja de fato novo, até então ainda não elaborado pelo meu pensamento.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Eu me divirto muito escrevendo, como comecei a escrever ainda criança, literatura para mim é como brinquedo, então, é muito prazeroso quando vejo os caminhos que os personagens tomam, o que eles dizem. Uma vez criados, os meus personagens e as minhas histórias me parecem muito distantes do que eu sou e de como eu penso, e isso me diverte bastante. Até mesmo consigo rir dos meus personagens, dos meus narradores.

• Qual o maior inimigo de um escritor?
A vaidade.

• O que mais lhe incomoda no meio literário?
A figura do autor no centro da cena literária. Que a capacidade performativa de um autor seja mais valorizada que a literatura que ele produz, que a recepção se conforme em ser atravessada pela presença do autor, sombreando a literatura que é produzida. Em algum momento, precisaremos nos concentrar mais no que diz os livros e não os seus autores. A espetacularização da literatura pode ser atrativa para fisgar leitores eventuais, compradores de livros, mas suspeito que tenha um efeito mínimo na formação de leitores e na possibilidade de um debate literário mais sério e honesto.

• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Da Bahia: Davi Nunes, Wesley Correia e Jovina Souza. Do Pará: Roberta Tavares.

• Um livro imprescindível e um descartável.
Bom, é interessante marcar que quem determina a descartabilidade de um livro é o leitor, então, é uma opinião bem pessoal, livros de autoajuda são descartáveis pra mim e considero, de maneira geral, os livros infantis imprescindíveis.

• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Tratando-se de ficção, quando a personalidade do autor transborda para o texto. Como editor, às vezes, preciso perguntar para alguns autores, mas quem pensa assim, você, o seu narrador ou o seu personagem?

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Todos os assuntos podem entrar na minha literatura, mas tenho um compromisso, uma preocupação de não fazer propaganda para situações que reforcem o racismo, a homofobia, o feminicídio…

• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
De uma funerária.

• Quando a inspiração não vem…
Não escrevo.

• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Rubem Braga e Miguel Sanches Neto.

• O que é um bom leitor?
O que se despe de seus preconceitos e se coloca interessado e vulnerável diante do texto e do que pode acontecer no processo de leitura.

• O que te dá medo?
Tenho muitos medos tolos: de rato, de altura, de carro… As coisas realmente relevantes não me trazem medo.

• O que te faz feliz?
Escutar música, ler e escrever, ficar sozinho, o silêncio, olhar a lua, uma noite estrelada ou o mar.

• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Dúvida, de estar aprisionado em uma condição de inocência. Certeza, de estar preenchendo uma lacuna de representação de personagens negros e gays na literatura brasileira.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Não trair a minha inspiração, não me trair e não desvalorizar o tempo e a disponibilidade de quem me lê.

• A literatura tem alguma obrigação?
Nenhuma obrigação, nenhum compromisso, nenhuma função, mas a leitura de um texto literário tem consequências.

• Qual o limite da ficção?
A ficção não tem limites, alguns autores podem ter, eu tenho os meus.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Acho que daria esse presente ao Lula: de ser o primeiro presidente a ter um contato registrado e divulgado com um ET.

• O que você espera da eternidade?
Que ela seja apenas uma projeção.

Deixe que eu sinta teu corpo
Vagner Amaro
Malê
158 págs.
Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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