Mais do que nunca necessária, a poesia (sempre a má consciência da literatura, ainda bem!) não vai mal neste momento agônico — pois versos naturalmente estão fora das vistas do Moloch chamado Mercado. É claro que esse monstro triunfante se dá ao luxo de ignorar poetas, e, entre eles, chamo atenção para Alberto Lins Caldas, autor dos contos de Babel(Revan, 2001), do romance Senhor Krauze(Revan, 2009) e do livro de poesia Minos(Ibis Libris, 2011). Aqui, três poemas novos do notável ALC:
?morder a carne o muro a terra
?essas ondas como se fosse macarrão
?depois morder todas as ruínas
?morder as roupas os sapatos
?morder a loucura e os fantasmas
?morder o silêncio e o silenciador
?morder depois a ferida e a dor
?morder o mundo e depois meu bem
?morder seu vizinho e seu matapiolhos
?morder a idade da lua e depois o sol
?morder toda essa luz e depois a treva
?morder essa miséria sem fim e a moeda
?morder isso q nos violenta e ri e goza
?morder essa insônia e o sem sonhos
?morder esse desejo de só desejar desejo
?morder os dedos os braços e o peito
?morder até mesmo os umbigos
?morder as nucas mesmo assassinadas
?morder pra q se tudo morde sem fim
?morder até ferir e destroçar pra q
?morder como se fosse parar de morder
***
ervilhas
é preciso comer ervilhas
assim cozidas no molho
de tomates com cebolas
ou comer ervilhas
uma a uma bem verdes
assim amargas e cruas
como se não houvesse fogo
ervilhas
com vinho branco suave
assim contra língua e céu
massas vermelhas e queijo
ou comer ervilhas
com pão quase dormido
assim como quem deseja
carne assada ou quase crua
ervilhas
como hoje são só feijões
assim como quem anda
até perder os sentidos
ou comer ervilhas
com a fome das ruas pobres
assim como quem se deixa
morrer indo pro mar
ervilhas
sem rebuscados artifícios
assim sem isso arcaico
?q esperam os poetas
ou comer ervilhas
sem medo sem covardia
assim com vertigem
como quem perdeu ilusões
ervilhas
todas nuas e imprudentes
assim despudoradamente
gostosas e vibrantes
ou comer ervilhas
deixando graves e indigestos
assim todo o resto q se come
ateando a língua para fora
ervilhas
sem guizos e sem confete
assim como quem come
sem se abismar com a comida
ou comer ervilhas
no meio de vaias e assobios
assim como quem consegue
comer em paz algumas ervilhas
***
tou farto dessa cidade
dessas noites infestadas pelos porcos
cercando meus mexilhões recheados
maresia podre sempre podre
correndo por essas ruas
e todos nós como cães sarnentos
mexilhões recheados
assim com tomates e cebolas fritas
com castanhas e pimenta verde
cai bem com bebidas violentas
mas pra fazer torna a casa esse lixo
e emporcalha o desejo a vida a mulher
vendo mexilhões recheados
sempre como quem vende o corpo
no cabaré vermelho da cidade baixa
tou farto dessa vida
vida de vendedor de mexilhões
mas como todos não posso escapar
fico me debatendo nas ruas
como peixe arrancado do mar
sangrando sempre sem ar e sem saber
agora é hora de sair e voltar amanhã
o mexilhão recheado tá pronto
e daqui a pouco será tarde demais