A década seguinte veria duas produções roteirizadas a partir de obra de Machado: em 1985, o Brás Cubas de Júlio Bressane e o Quincas Borba de Roberto Santos, baseado no romance homônimo, com a qualidade que sempre foi característica de Santos.
Em 1994, seria a vez de Sergio Bianchi fazer a sua versão de A causa secreta, mantendo o título original. No novo século, Machado teve mais uma vez adaptado o Memórias póstumas, em 2001, pelas mãos de André Klotzel, que, como quase todo mundo, havia lido o livro no ginásio e ficara com as ironias, as rupturas e os parênteses da narrativa na cabeça. Porém Klotzel não foi inteiramente feliz na tarefa de transpô-las para a tela, uma vez que todo diretor às voltas com o Brás Cubas terá que encontrar uma boa solução para a verborragia do personagem, e, pior, para o fato de a narrativa de Machado evitar “contar a história” etc.
Na década seguinte, apareceria o Dom, de Moacyr Góes, com um elenco estelar — Marcos Palmeira, Maria Fernanda Cândido, Bruno Garcia e Luciana Braga — numa produção mais pretensiosa do que realmente à altura do fino tecido ficcional de Dom Casmurro.
Se Machado de Assis é um marco desafiador do romance brasileiro, o outro monstro sagrado que oferece ainda maiores dificuldades, no cinema, é o escritor do mundo das Gerais, o João dos Guimarães, o Rosa, também autor de pelo menos duas obras-primas modernas: as novelas que compõem o original Sagarana e o grande romance que é Grande sertão: veredas. Este foi adaptado, em 1965, pelos irmãos Geraldo e Renato Santos Pereira, com resultado apenas regular (se não medíocre). O ano seguinte é que traria a sensível transposição de A hora e a vez de Augusto Matraga, feita por Roberto Santos, com uma fidelidade diegética ao livro de Rosa — o que talvez frustre apenas quem espere ver no aclamado filme a marca de alguma inovadora linguagem rosiana buscada em equivalente visual, quando o diretor paulista resolveu privilegiar o lado de relato quase “western” de Matraga.
Uma das narrativas de Sagarana — O duelo — seria levada ao cinema pelas mornas mãos do mineiro Paulo Thiago, em 1973. O filme foi indicado ao Urso de Ouro no Festival de Berlim de 1974, mas é uma obra muito aquém da força do substrato literário original. Ao contrário de Thiago, outro mineiro — Carlos Alberto Prates — soube “transferir” essa carga para o praticamente filmusical Noites do sertão (1984), admirável realização livre do “mote” de origem: o mundo ficcional sagaranesco etc. Em 1994, essa tentativa seria renovada — sem os mesmos alcances de Prates — por Nelson Pereira dos Santos, em A terceira margem do rio.
O jornalista Pedro Bial vem a ser o responsável pela incursão cinematográfica seguinte no universo rosiano: ele escolheu cinco contos de Primeiras estórias (livro publicado em 1962), ou seja, Famigerado, Os irmãos Dagobé, Nada e a nossa condição, Substância e Sorôco, sua mãe, sua filha, os quais confiou ao falecido Alcione Araújo, para uma espécie de roteirização “amarrada”. São relatos de vingança e ofensas tornadas fatais, entre sertanejos e jagunços, na imensidão mítica do sertão mineiro. Nas palavras do jornalista: “Quando li Primeiras estórias fiquei chapado, nunca tinha visto ninguém escrever daquele jeito, praticamente criando um novo idioma com estórias de uma profundidade abissal, eu não sabia nem que a literatura poderia ser daquela maneira [?]”…
Pois pode, sim, Big Brother.
Interesse foi despertado na cineasta Sandra Kogut, diretora de Mutum (2007), longa-metragem franco-brasileiro baseado na novela Campo geral, do livro Manuelzão e Miguilim. Sandra procurou transformar a prosa poética de Guimarães Rosa em poesia visual, e o resultado é um filme mais rosiano do que Outras estórias e A hora e a vez de Augusto Matraga.
De propósito deixamos para o final o elogio de uma minissérie que, em 1985, alcançou surpreendentes resultados — nas mãos de Walter George Durst e Walter Avancini —, ao levar para o grande público as estranhezas do universo do escritor de Codisburgo. Em 25 capítulos, sua misce-en-scène ao mesmo tempo áspera e poética pôs Grande sertão: veredas na telinha, com uma fidelidade e um apuro como jamais mereceu o grande Machado de Assis na TV. Rigorosamente, todas as adaptações das suas obras foram produzidas pela Globo: Helena (1975), romance adaptado por Gilberto Braga; a minissérie O alienista (1993), dirigida — sem muito brilho — pelo pernambucano Guel Arraes, e outra minissérie, ainda menos inspirada, baseada no conto Trio em lá menor, assinada por Geraldo Carneiro e burocraticamente dirigida por Luciano Sabino. Ficou nisso, e, até agora, a TV em franca dívida para com o nosso maior romancista.
NOTA
Devido a um equívoco de edição, publicamos agora em julho a parte final do ensaio iniciado em maio. Em agosto, finalizaremos o texto Literatura pós-colonial: mistura doce-azeda?.