Claves para un fracaso literario

Preciosas dicas para quem deseja cair no limbo, no esquecimento, longe dos holofotes e da glória
Euclides da Cunha, autor de “Os sertões”
01/12/2011

Cada vez que se escribe un poema
tienes que hacerte un corazón distinto,
un corazón total,
continuo, descendiente,
quizás un poco extraño,
tan extraño que sirve solamente
para nacer de nuevo.

Luis Rosales

Aqui neste Fora de seqüência, mês passado, vocês ficaram sabendo das dez “Chaves para um êxito literário”, segundo o receituário sabiamente preconizado na edição de julho/agosto da revista de bordo da Ibéria, a Ronda.

Quem aproveitou, aproveitou. Quem não leu as dicas da vistosa publicação espanhola, poderá tentar encher o saco de Rogério Pereira, atrás da edição 139, em busca das dicas do texto “Claves para un éxito literario”, oferecido — por velhas aeromoças — a viajantes comuns e, oh, a escritores & escribas sentados na poltrona do êxito ao alcance dos novos talentos, a dez mil metros de altura.

Bueno, agora é a vez de oferecer o outro lado da Lua, na carta celeste da Literatura a golpes de tapas (sevillanas, malagueñas, cordobezas, etc.): como, ou de que maneira, alcançar mais rapidamente El Fracaso Literario.

Antes do mais, creio que eu deva ser honesto e logo avisar que, é claro, o sucesso e/ou o êxito, é muito mais fácil do que o fracasso, em literatura.

Dito isso, vamos lá. Primeiro, eleja a poesia como seu gênero, sua preferência e sua fidelidade maior. E nunca a traia. Mesmo atraindo a ira da Dona Luciana que recomenda: “poesia, never more, ó jovens escritores que almejem os recordes do suce$$o”.

Segundo ela — e tantos outros — poesia não vende.

O que é poesia? “Uma coisa que os editores brasileiros não sabem vender” — responde Juquinha, sentado na primeira fila da classe.

Certo, ele. Porém, tem mais: talvez nós só possamos dizer — como de Deus — o que a poesia não é. E uma coisa que ninguém sabe o que é, logicamente não interessa a editores que mandam destacar o aviso — com fundo amarelo — nos seus sites: “NÃO ACEITAMOS ORIGINAIS DE POESIA”.

Eles poderiam acrescentar as palavras bukowskianas: “gatos têm estilo. Nós e cães, não o temos — nem gostamos de quem o revele nesse gênero literário maldito para o qual são necessários os seguintes pré-requisitos simplesmente ridículos:

1. Olhar.

2. Olhar e esquecer (em seguida) o que viu.

3. E lembrar — algum dia.

4. Nesse meio tempo, ter pescado, ou ter visto pescar (e não pretender escrever poesia sobre isso).

5. Compreender que os gatos procuram restringir os gestos a uma elegância total-e-mínima ao mesmo tempo.

6. Pensar.

7. E esquecer, é claro, o que pensou. Nenhuma premeditação fria.

8. Mas compreender o mais possível o mar, a solidão dos animais e das estrelas — sem adocicar o espírito com sentimentalismo (sobre isso ou sobre qualquer outra coisa, pois poesia não vem do que “sentimos”)…

9. Ter lápis & papel (ou um graveto, ao menos, para escrever na areia).

10. Não ter sequer lápis & papel, nem graveto, mas possuir a própria alma — para com ela trabalhar em silêncio, sem orgulho maior do que o do carpinteiro, ao dar por terminada uma sólida e bem torneada cadeira.”

Contra a poesia e o conto
Bem, editores brasucas não gostam de peidar em bem torneadas cadeiras.

Então, é natural (e até justo) que eles, nas suas poltronas amolfadadas, odeiem poesia, não saibam vendê-la e detestem até os repentistas que vendem — ainda —milhares de folhetos de poesia de cordel nas feiras das cidades do Nordeste que ainda não se abateram debaixo da Sky, o céu que não nos protege.

Também os livros de contos, os editores — os grandes — canibais cá de Pindorama não os querem nos seus catálogos de romances, romances e romances destinados a conquistar a propaganda gratuita dos maiores prêmio$ da atualidade pindoramesca, que são para livros de ficção, com destaque para o Romance — como o prêmio São Paulo de Literatura de Itu.

E tu, Bruto, ainda vais escrever poesia e/ou contos — mesmo depois de saber que não há futuro (comercial) nessas duras, secas, cearenses searas?…

Aí está nossa primeira recomendação rumo ao mais retumbante fracasso literário: ESCREVE POEMAS, DESGRAÇADO! PERPETRA CONTOS E MAIS CONTOS, INFELIZ! Terás o céu do insucesso ao teu dispor — embora existam quase 20 mil poetas brasileiros vivos, num site de coleta dos nomes de poetas brasileiros ainda respirando (ver Leila Miccolis — “Poetas brasileiros quantos somos” — no Google), etc.

Contistas, ainda devem somar muito mais. Os tarados do Conto não param de escrever histórias curtas — que os editores execram. Ao fazê-lo, tais criaturas ofendem o gosto, o olfato, o paladar e (a falta de) o tato dos nossos presidentes de companhias de letras, palavras, frases e páginas longas como a do interminável A pedra do reino e outros livros que, em colocados de pé, eretos ficam, pois são grossos e fazem a alegria das matures

(Já notaram como livros de poesia são fininhos, em geral, e logo caem, esmorecem, brocham na estante onde um romance talhado nas 700 páginas fica em pé como um pau?)

Recapitulando: o $uce$$o pede a romances. E o fracasso é certo com poesia & conto.

De modo que, se quiseres caminhar rumo à espuma do nada, a segunda alternativa é a certa: façam um “X” nela, e adeus. Estarão mortos — para alívio das tropas SS dos nossos mais bem capitalizados editores.

Entretanto, há perigos rondando a empreitada de escrever para nada — comercialmente falando.

Por exemplo, você, incautamente, decide ir contra os moinhos de vento e… tan-tan-tan-tan!: escreve poemas e/ou contos sem alma, inspiração (essa velha palavra que muita “oficina literária” tenta demolir), sem talento, garra, força, domínio do idioma, sentido musical para palavras, etc., etc… e a coisa dá certo! Ao contrário do fracasso que vosmicê tão arduamente buscava, vem o tal “êssito” espanholesco, o triunfo, a vitória, as páginas epocais da VEJA como se faz uma péssima revista.

Meu Deus! Você acaba de fracassar, na busca do fracasso. Ao invés do inçuçeço, veio o $u$$e$$o para usted. Teu livro de contos — ou, pior, de poesia! — vendeu milhares, milhões de exemplares. Jô Soares quer te entrevistar, depois de bater no bongô com aquelas mãozinhas da falta de senso do ridículo. Marília GabiGabriela fará caras & bocas & óculos ao te perguntar coisas como: “qual a cor de tua cueca, neste momento?” (Diga-se, en passant, que a cor da cueca de um escritor de sucesso — na sociedade do espetáculo, pelo menos — é muito mais importante do que, por exemplo, todas as influências literárias que infletiram sobre o espírito encuecado do entrevistado até por Hebe e Datena)…

Desastre. Veio o que tu num queria — em mau português de padaria. O ÊXITO.

Mau porque estavas em busca de despontar para o anonimato.

Não há uma situação tão ruim que não fique pior
Bem, não é um caso de todo perdido, ainda. Quem persevera no caminho do fracasso precisa apenas confiar na qualidade, no apuro e naquela medida flaubertiana (que nos faltou, no século 19), para garantir sua meta de insucesso como preferência absoluto: nas listas dos mais vendidos nunca entrarás e das gôndolas das livrarias Cultura teu livro de capa mole nunca será retirado pelas mãos dos mauricinhos e das patricinhas do ambiente cultural que reverenciam Bolaño num ano e outra bola da vez, no outro.

Se tentas com afinco, o teu próximo livro pode vir a ser escrito com as “qualidades” invertidas — completamente — do receituário da melhor literatura brasileira, e feito à medida da quase perfeição do Dom Casmurro (reconhecida até por Harold Bloom) e a desordem de catedral sertaneja de Os sertões (reconhecida por Lúcio Graumann)… e, aí, quem sabe, fracassas retumbantemente, por fim!

Afinal, não se trata de uma piada, mas aconteceu de fato e veramente: alguém pegou uma obra das menos conhecidas de Machado de Assis, deu-se ao trabalho de digitá-la e enviar para o diretor de uma conhecida “grande casa” editorial tupiniquim. Não deu outra: esse original “inédito” foi devolvido ao “autor”, com a explicação de que ele ainda estava muito verde para penetrar nos felizes campos de caça do cifrão do mercado de obras de literatura obradas no país de Paul Rabitt e outros medalhões da Academia Brasileira de Sopa de Letras.

Quem me contou pediu para não revelar seu nome — e esta história de fracasso and sucess entrou por uma perna de pinto e saiu por uma perna de parto.

Fui. Bom Natal para maus e bons, sejam bem sucedidos ou fracassados vocacionais em busca de alcançar as suas (deles) metas urgentes e diversas. Há lugar para todos, enfim, e quem fracassa alcança aquela espécie de glória que sempre horrorizará o Mercado hoje Todo-Poderoso. Nunca escreva contra ele, lembre-se!, se você pretende que, um dia, sua obra venha a se tornar somente um especial da Globo. Enfim, para isso é que — parece — foi inventada a literatura, numa tarde de chuva na qual, também parece, não havia nada melhor para se fazer (evidentemente)…

NOTA
A favor da poesia, radicalmente, o ano termina (aqui nesta página) com uma nova poeta pernambucana — Camila Ribeiro — de quem divulgo o poema abaixo (Saltos em cavalos selvagens) como afirmação de crença no verso, contra toda a covardia editorial brasileira no que diz respeito a abrir espaço para a lírica, nos catálogos de quase todas as grandes casas, com raríssimas exceções. Nascida em 1979, Camila pertence a uma nova geração recifense indiferente à indiferença das editoras. Por isso, o seu belo poema conclui está pagina de dezembro, com votos de felicidades para todos, em 2012.

Saltos em cavalos selvagens
Camila Ribeiro

Há três grandes cavalos:
um a calejar-me as mãos,
outro triste e revolvido;
um a forçar-me a língua,
outro a vomitar ciência
e ainda um outro rijo.

Górgonas nascidas em boa hora,
um cavalo para um olho (e outro que não chora)
torturam o que sobra de meu ocidente.
Presos no quarto de Jade,
o mais selvagem me engolirá a soberba
e, diminuída, seremos duas cabeças.

Fernando Monteiro

É escritor, poeta e cineasta. Autor de Aspades, ETs, etc., entre outros.

Rascunho