Quem voou pela Ibéria em agosto passado (e fosse, por acaso, escritor) contava com esta surpresa: a oferta de dicas para o “êxito literário” na revista de bordo — Ronda — da empresa aérea espanhola.
Surpresa. As revistas de bordo brasileiras costumam ser uma merda. Eu apenas passo a vista, vejo quase todas enfiadas junto com o saco de vômitos, na frente das poltronas apertadíssimas, etc. Mas essa, ibérica, a cara de mamão do simpático Plácido Domingo na capa, teria algo a dizer a um escriba sentado…
Fiquei animado, é claro. Rumo à Espanha, esperando ver talvez as últimas touradas, não imaginava receber alto incentivo profissional, lá nas nuvens, ao meu métier de matador provinciano na arena de areia das palavras.
Olé!, vinha me dizer a Ronda com Domingo na capa — porque um dos aviões deles havia sido batizado com o nome do tenor remanescente dos três terrores…
Deixa pra lá a música lírica “popularizada” (?) na capa. Não é a minha área. Não quero brigar com ninguém que ache que o falecido Pavarotti, o gordão Plácido e o insosso Carreras muito fizeram pela divulgação de óperas em fragmentos e canções napolitanas cantadas de modo a agradar mordomos de chefes da Máfia, os “Santiagos” de hoje, cantando no banheiro com dó-de-peito de torna a Sorrento sole mio funiculi-funiculá. Tem quem goste. Digressão encerrada.
O assunto aqui neste jornal é livros, não se sabe (ainda) se os derradeiros da literatura — ou os primeiros de uma novíssima Terrível Idade Nova Admirável.
“Admirável”?
A aeromoça — velha —, sob forte maquilagem, veio perguntar se eu queria vinho ou coca (Cola, gente!), e eu nem respondi, nos ares, a atenção toda concentrada no artigo salvador, no promissor texto de ensino a dez mil metros, as dicas de graça no espaço, uma quase oficina literária (tem tantas!) suspensa no éter:
“CLAVES PARA UN ÉXITO (diga “êssito”, em bom castelhano) LITERARIO” — sem o acento, sem poltrona, a literatura de avião, promessa de romances de sucesso, recordes dos bons e das boas villas Boas! Perspectivas de conquistas, avanços, glórias, paulocoelhadas de milhares de dólares. Me vi me vendo a anunciar: “Veja a VEJA, a ÉPOCA da minha reportagem, as matérias sobre livros meus escritos — oh! — a partir de agora totalmente de acordo com as recomendações, as sugestões, as regrinhas da Ronda”.
Eu nem devia estar aqui, a divulgá-las. Deveria ficar com o texto só para mim, Rogério Pereira. Afinal, é um tesouro, um achado, uma “botija” encontrada no céu de agosto, entre Recife e Madri, vôo 666. (Minto: vôo 669, que é um número mais animador, com a boca na botija mesmo — e a botija na boca da)…
Bom, vamos parar. Vamos voltar para a vaca fria da literatura: o artigo da revista de bordo da Ibéria se propondo ensinar as “chaves para um êxito literário”!
Quem não acredita numa revista internacional, com o plácido Plácido na capa?
Quem ousa desconfiar de dicas espanholas — quando tantos romancistas da terra de Cervantes são hoje lançados pela Alfaguara e outras casa editoriais de Madri, Barcelona, Valência, Sevilha, Ronda?…
Era eu um escritor de sorte: havia voado na hora certa, pela companhia da melhor companhia: uma revista — gratuita — ensinando como chegar ao Olimpo das Letra$, tornando-me um $uce$$o…
Rogério: cobre mais caro por esta edição do valoroso “Rasca”. A presente edição de novembro de 2011 vale mais. Vaidosamente afirmo isso, garanto, insisto: o seu jornal, por mis generosas manos, está trazendo, neste penúltimo mês do ano, o ensinamento espanhol sobre como chegar LÁ, diretamente para os ouvidos/olhos dos nossos caros colegas.
Ruffato, você já é um êxito, eu sei, mas preste atenção nas dicas da revista estrangeira — que eu divulgo logo em seguida —, e vosmicê poderá alcançar um êxito ainda maior, o qual lhe permitirá construir um superclube de lazer, com cem piscinas e cinqüenta campos de peladas, além de trinta churrasqueiras, tudo para todos os subproletariados “deste país” (em estilo metalúrgico).
Homero Fonseca, leia o que vai divulgado algumas linhas mais adiante, e sua Roliúde, sua múmia de Ava Gardner, estarão no papo…
Elvira Vigna, venha cá, minha filha!, e anote, aprenda, saiba como tener el éxito próximo0, via a ajuda ibérica dos ares das letras, pois logo em seguida estarei resolvendo TODOS os nossos problemas, estaremos pagando todas as dívidas, comprando todos os apartamentos, carros e casacos de vison que você elviramente detesta…
ESCRITORES! Isto é, ROMANCISTAS! Ficaremos ricos!!! Luís Henrique Pellanda, larga a crônica, abandona o conto (atende ao reclamo de Dona Luciana, contista empedernido!), passa para o romance, rapaz, e, de acordo com o que vai traduzido aqui, pega a “chanche” [uma única vez na vida, veja bem!] de ser o Dez, o Vinte, chegar ao topo do topo do Topo Gigio…
Sem mais rascunhíssimas delongas, EIS O QUE DEVEREMOS TODOS SEGUIR, A PARTIR DE HOJE — ISTO É, PELO MENOS AQUELES, DENTRE NÓS, QUE QUEIRAM ALCANÇAR O ÊXITO LITERÁRIO, dois pontos (passo a traduzir ahora, ó Homero Gomes, estas recomendações pelas quais esperastes durante toda a tua curitibana primeira juventude)…
As “chaves” são numeradas de uma até dez, e vinham, na gentil Ronda, também em inglês (Keys to literary success), porque a revista é bilíngüe, e, eu, o suficientemente besta para estar aqui compartilhando o bookface com yours, conforme diriam Zuckerberg, Ariano Suassuna e Fernando Affonso Collor de Mello [o mais novo membro da Academia Alagoana de Letras, é verdade e dou fé]:
Aspas:
“1. Gênero: como o mercado editorial tem predileção pelo romance, o livro deve ser um romance.
Entenderam? Isso aí é bem claro: ROMANCE! Nada, a não ser romance romanesco apostólico romanamente romanceado!!
2. Argumento: o romance tem que conseguir fazer o leitor passar boas horas às voltas com um argumento que distraia, mas isso de forma cuidadosamente dosada.
Sacaram? Tem que distrair, certo? Não sejam burros de fazer mais nada — a não ser distrair da distração da vida distraída…
3. Contéudo: pensar pelo leitor. Isso implica em conclusões obtidas através dos personagens ou mesmo diretamente estampadas num lugar aparte. Ser completamente explícito com o que ocorre na história e não deixar nada para a imaginação.
Juro que estava escrito isso, lá! Assim mesmo. E a Ronda não tem culpa. É a roda deste nosso tempo, garotos e garotas. “Não deixar nada para a imaginação”. (Também não é ironia; o texto da revista não tem nada de irônico, em momento algum.)
4. Personagens: é melhor que o personagem do romance não seja demasiadamente complexo no seu caráter, a fim de que o leitor possa se imaginar, facilmente, no seu lugar. Exemplos: uma heroína forte e rebelde com algo de mais ou menos ‘familiar’, um vilão conservador e sovina com traços humanizadores, etc…
Não esqueçam isso: os vilões jamais devem ser tão vilões tão horríveis quanto o autor, por exemplo, de Marifogos de Bunda — por sinal bigodudo membro das Academias Maranhense e Brasileira de Letras, cheias de velhinhos romancistas que não têm mais idade para aproveitarem estas preciosas regrinhas. Elas ainda podem ser — infelizmente — de algum modo úteis apenas para o “mascote” da ABL, o Paul Rabitt, coelhinho de estimação da casa de Machado de Assis (este solene idiota carioca que escreveu uma vasta obra com pouca — ou nenhuma — convergência com estas prudentes recomendações ibéricas de hoy).
5. Tamanho: os capítulos não devem ter mais do que 15 páginas, cada um. O romance inteiro deve ter um mínimo de sessenta mil palavras, se é para crianças e adolescentes, e cem mil se é para adultos.
Os números estão aí. Se vocês farraparem, e passarem de tais limites, etc., arquem com a conseqüência do insucesso e tudo o mais que fará a Folha de S. Paulo ignorar vocês — mesmo que algum romance enorme de vossas autorias tenha sido elogiado por Harold Bloom, nos EUA decadentes de Barack Obama.
6. Linguagem: utilizar a linguagem mais simples possível, a fim de que os leitores não tenham que recorrer ao dicionário a toda hora — e venham, por isso, a abandonar la lectura. Não se deve permitir ao leitor nem uma “refrescada” ou pausa para respirar. À medida que os personagens resolvam um problema, aparece outro, e isso é que leva o leitor a passar, ansiosamente, para a página seguinte.
Joyces brasileiros — vocês estão fora do caminho do êxito! (Craro…)
7. Ritmo: cada capítulo deve terminar, de preferência, com um “gancho”: uma ação não resolvida que suponha um problema sério ou, melhor ainda, algum perigo para os personagens principais — coisas que serão solucionadas no capítulo seguinte.
“Gancho” tá bem explicado aí, não é? Mas não abuse da figura do Capitão Gancho, no seu romance, ó Peter Pan Eterno que me lê e que aguarda o êxito na Terra do Nunca, a partir de 31 de fevereiro próximo…
8. Marketing: procurem se aconselhar com bons profissionais que trabalham para editoras que conseguem vender gato por lebre, criando algo como uma lenda para cada autor do seu catálogo (bem fotografado, elegante, não-fumante, freqüentador de academias de ginástica, essas coisas).
Achei meio esquisita a oitava regrinha. Aqui, na terra do Coelho, o pulo do gato literário transforma sagüis em macacos-pregos do jogo do bicho da floresta da literatura transformada em espetáculo de circo de animais amestrados nas bienais… Seja como for, eu não quis omitir esta oitava pérola.
9. Serialização: ter pronta uma continuação da trama, ou algo aproximado, para quando estoure o boom. Um livro levará para outro do mesmo autor, e isso faz os editores muito felizes; consequentemente, eles até lhe convidarão para um final de semana nas suas (deles) casas de campo…
Quem já esteve na casa de campo do Serginho Machado? E também do…. Bom, deixa pra lá.
10. Hollywood: preparar um final que coincida com os cânones hollywoodianos. Se você fugir disso, terá dificuldades de se acertar com um produtor que poderia realizar o sonho de qualquer jovem romancista que se preze: ter os direitos dos seus livros adquiridos por cineastas. Esse desejo é tão profundo que muitos romancistas divulgam que isso “aconteceu” — sem ter ainda acontecido.
Bem, a minha parte está feita. Agora cabe a vocês mudarem radicalmente as suas vidas de romancistas da Nova Literatura Bra$ileira, entrando na onda do $uce$$o na companhia das letra$ bem $ucedida$, etc., etc.
Mão$ às obra$ bem obrada$! O CEO é o limite — Ibéria abajo & arriba rumo inclusive às consagradora$ entrevista$ de cinco minuto$ no Programa do JÔ!
VALE!