Não se trata “apenas” de estar escrevendo para o brasileiro que “lê apenas 4,96 livros por ano — sendo que, desses, 0,94 são indicados pela escola e 2,88 lidos por vontade própria. Do total de livros lidos, 2,43 foram terminados e 2,53 lidos em partes” (quarta edição da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Ibope por encomenda do Instituto Pró-Livro).
Claro que tais números nos colocam diretamente dentro de uma obra de Samuel Beckett (que ninguém lê aqui no Brasil — ou que pouquíssima gente já leu).
Não se trata de que seja a Bíblia o livro “mais lido, em qualquer nível de escolaridade”, aqui em Pindorama. O livro religioso — verdadeira colcha de retalhos de mitos semitas e não-semitas da antiguidade, no chamado “Velho Testamento” e de relatos dos “apóstolos” de um rabi condenado meio século antes de os seus discípulos mais destacados resolverem escrever, cada um, a sua história já um tanto desfocada, etc. — “aparece em todas as listas: últimos livros lidos, livros mais marcantes. 74% da população não comprou nenhum livro nos últimos três meses. Entre os que compraram livros em geral por vontade própria, 16% preferiram o impresso e 1% o e-book. Um dado alarmante: 30% dos entrevistados nunca comprou um livro”.
Continuemos nos deliciando, ainda um pouco, com os preciosos dados da pesquisa mais recente: “Para 67% da população, não houve uma pessoa que incentivasse a leitura em sua trajetória, mas dos 33% que tiveram alguma influência, a mãe, ou representante do sexo feminino, foi a principal responsável (11%), seguida pelo professor (7%).
As mulheres continuam lendo mais: 59% são leitoras. Entre os homens, 52% são leitores. A leitura ficou em 10º lugar quando o assunto é o que gosta de fazer no tempo livre. Perdeu para assistir televisão (73%), que, vale dizer, perdeu importância quando olhamos os outros anos da pesquisa: 2007 (77%) e 2011 (85%). Em segundo lugar, a preferência é por ouvir música (60%). Depois aparecem usar a internet (47%), reunir-se com amigos ou família ou sair com amigos (45%), assistir a vídeos ou filmes em casa (44%), usar WhatsApp (43%), escrever (40%), usar Facebook, Twitter ou Instagram (35%), ler jornais, revistas ou notícias (24%), ler livros em papel ou livros digitais (24%) — mesmo índice de praticar esporte. Perdem para a leitura de um livro: desenhar, pintar, fazer artesanato ou trabalhos manuais (15%), ir a bares, restaurantes ou shows (14%), jogar games ou videogames (12%), ir ao cinema, teatro, concertos, museus ou exposições (6%), não fazer nada, descansar ou dormir (15%).
(…) A principal forma de acesso ao livro é a compra em livraria física ou internet (43%). Depois aparecem presenteados (23%), emprestados de amigos e familiares (21%), emprestados de bibliotecas de escolas (18%), distribuídos pelo governo ou pelas escolas (9%), baixados da internet (9%), emprestados por bibliotecas públicas ou comunitárias (7%), emprestados em outros locais (5%), fotocopiados, xerocados ou digitalizados (5%), não sabe/não respondeu (7%).
(…)
A pesquisa perguntou a professores qual tinha sido o último livro que leram e 50% respondeu nenhum e 22%, a Bíblia. Outros títulos citados: Esperança, O monge e o executivo, O amor nos tempos do cólera, Bom dia Espírito Santo, Livro dos sonhos, Menino brilhante, O símbolo perdido, Nosso lar, Nunca desista dos seus sonhos e Fisiologia do exercício.
Entre os sete autores mais lembrados, Augusto Cury, Chico Xavier, Gabriel García Márquez, Paulo Freire, Benny Hinn, Ernest W. Maglischo e Içami Tiba”.
Chega da pesquisa. Por mais interessante — ou “instrutiva” (ao menos) que ela seja — não são tais números estatísticos (apavorantes, na verdade) ou o clima “cultural” (?) que emerge da surreal companhia de Gabriel García Márquez e Paulo Freire entre os autores os sete “autores mais lembrados” (QUEM SÃO Benny Hinn e Ernest W. Maglischo???) o aspecto que pretendo defrontar aqui, mas sim o misterioso rosto do leitor que nós estamos procurando para o próximo livro a sair por alguma editora que não certamente sabe, também, para quem está escolhendo/publicando os seus livros em tiragens mínimas, etc.
Você é escritor (como eu)?
Você já teve, alguma vez, o duvidoso prazer de ser avistado, numa livraria Cultura ou Saraiva — que dá raiva —, em algum domingo de shopping, no café de cappuccinos, por um leitor que vem lhe “cumprimentar” (uau!) por ter lido um livro seu que ele admira pelas razões totalmente erradas, as quais desfia numa série de absurdos sobre o que você (para ele) pretendeu “dizer” no livro X?…
Você já foi entrevistado — antes — por uma estagiária de redação que leu O sol é para todos (porque o romance foi filmado, tudo bem, por que não?), “adorou” o livro, mas que não sabia que Harper Lee — o “autor” — era uma autora?…
Ninguém está mais prestando atenção a coisas que requerem alguma atenção, as pessoas estão cansadas de correrem da casa para o trabalho (e, muitas, do trabalho para a aula noturna), as pessoas estão atordoadas por um país mergulhando no caos tornado em norma — “é uma brasa, Moro” —, as pequenas livrarias não sobreviveram ao brilhante catarro em parede das “megas” com suas girândolas cujos livros quase todos são ditados pelo dedo do Mercado (“que recupera tudo”), sendo que a Cultura aluga os melhores espaços para os títulos que podem pagar — como as editoras médias não podem —, então, eu quero perguntar quais são as pessoas, de que tipo e por qual razão estão no percentual de “4,96 livros lidos por ano” aqui no país temerário que segue escrevendo para o “2,43” de leitores que foram até o fim da longa viagem noite adentro de uma leitura, ou seja, CONCLUINDO o livro no fundo do entulho da cabeça raspada no ENEM que não se importa com obras significativas, neste país que também não se importa mais com coisas que talvez possam ser decisivas para a vida (embora LER não pareça mais ser decisivo, ao que parece), eu nem sei mais o que eu estava perguntando — só sei que não era apenas sobre números estatísticos —, enquanto todo mundo ainda me diz que eu deveria ler A menina que roubava livros e eu, realmente, não quero ler esse livro, mesmo que a menina que os roubava pareça estar do lado de quem escreve, ou quer escrever, livros de verdade e não livros oriundos de “oficinas” que, segundo muitos, já conseguiram matar a Literatura nos EUA.
Então, aqui, nós estamos — afinal — escrevendo para quem?