Tradução e seleção: André Caramuru Aubert
No romance 10:04, de Bem Lerner (ainda inédito no Brasil), um personagem, professor de literatura, comenta que Wallace Stevens teve dois grandes herdeiros, John Ashbery e William Bronk (1918-1999), e que a diferença entre eles é que o primeiro escrevia colorido e o segundo em preto e branco. É uma bela homenagem de Lerner a Bronk, um poeta respeitado, mas infinitamente menos lido e badalado do que o recentemente falecido Ashbery. O que não quer dizer que precisemos concordar com a definição: para mim, a poesia de Bronk, mesmo quando sombria, é repleta de cores.
Bursts of light
The light in fall but other times as well
can make the world so beautiful we want
to take it all, have it take us, burst.
Explosões de luz
A luz no outono mas em outras épocas também
pode deixar o mundo tão bonito que queremos
agarrá-lo todo, ser agarrados por ele, explodir.
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Short walk
Awake at night, I walk in the dark of the house.
Bare feet are quiet. The rooms are undisturbed.
What else had anyone’s days and nights been like?
I think, now, not any more than this.
Curta caminhada
Acordado à noite, caminho pela escuridão da casa.
Pés descalços são silenciosos. Os quartos não são incomodados.
O que mais têm sido dos dias e das noites das pessoas?
Penso, agora, em nada mais do que isso.
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The inclination of the Earth
Finding ourselves inclined
like an afternoon in winter,
we are disturbed
by the obliquity
not able to catch the sun
as a pool does water falling.
There is a flood of sun
across the land.
All this unvesseled light:
our untouched dissatisfactions
flood from our hands
held cupped to catch them in.
A inclinação da Terra
Encontrando-nos inclinados
como uma tarde no inverno,
somos perturbados
pela obliquidade
sem podermos prender o sol
como faz um lago com a água que cai.
Há uma enchente de sol
atravessando a terra.
Toda essa luz derramada:
nossos intocados desgostos
transbordam de nossas mãos
fechadas em cuia, para segurá-los.
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The angry year
These flowers in blossom in an angry year
and the sweet woods, next to a dusty place,
now, when every indication grows unclear,
recall the calm disturbance in your face
as walking the terrible pathways marked through here
you held to all that you knew, your accustomed pace.
O ano raivoso
Essas flores desabrochando num ano raivoso
e as doces matas junto a um lugar poeirento,
agora, quando todos os sinais se tornam confusos,
lembre-se da perturbação tranquila em seu rosto
enquanto caminha pelas terríveis trilhas que há aqui
e você se prende a tudo o que conhecia, no seu ritmo de sempre.
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Winter evening
Cold hands in the afternoon then drink
and dinner. All I can think of is praise: its desire.
Tarde de inverno
Mãos geladas à tarde e então bebidas
e jantar. Tudo o que consigo pensar é em louvar: seu desejo.
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Recession
In the late summer, the sky begins to grow
larger. Noticeably. Melons. The blue
recedes into mid-fall. The things in it, clouds
or whatever, are not more, but more distinct
and farther apart. You have to maintain a watch
for such effects. You have to be looking to see.
Recuo
No fim do verão, o céu vai ficando
mais extenso. Visivelmente. Melões. O azul
retrocede rumo aos meados do outono. As coisas que nele há, nuvens
ou que for, não são maiores, mas mais distintas
e esparramadas. Você tem que prestar atenção para perceber
isso. Você precisa estar olhando para ver.
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The rumination of rivers
I fall asleep meditating rivers —
their flows, that gravity desires
their deep waters, determines their pull, that dams
do not stop them, that even there, behind
that solid wall, their weight downs them and, released,
they rage toward their easement as much as in natural
falls where they gush white in frantic slams
at rocks and tear at earth-banks because Earth
has lured them, Sun has energized.
In less
watered times, other places, quietly,
shallow streams sport more gently at the rocks
to speak the same urges or wind themselves
between like a single finger’s slow caress.
I think of slowness, patience, indifference
to time, their endurances as, almost lost
at the bottom of sculptured ruins worn and dug
as canyons, their flow goes on, their intention still
the same as though never was enough, though it is.
And my mind meanders in grassy, flatter lands;
in barely perceptible flow, I fall asleep.
Ruminação a respeito dos rios
Caio no sono meditando a respeito dos rios —
seus fluxos, suas águas profundas que a gravidade
deseja, que determinam seu arrasto, diques
que não seguram, que mesmo ali, atrás
daquela grossa parede, sua força derruba e, liberadas,
vão enfurecidas em direção a seu repouso, como nas cataratas
naturais onde jorram branco em choques frenéticos
contra as rochas e se espalham pelas margens, porque a Terra
as atraiu e o sol deu energia.
Em tempos
menos aquosos, em outros lugares, calmamente,
correntes rasas passam suavemente pelas rochas
para falar dos mesmos impulsos ou enrodilhar-se
como a lenta carícia feita por um único dedo.
Penso em lentidão, paciência e indiferença
ao tempo, a persistência delas como, quase perdidas
no fundo das desgastadas e fundas ruínas
dos cânions, os fluxos seguem, suas intenções ainda
as mesmas, como se nunca fosse o bastante, embora seja.
E minha mente serpenteia por terras verdejantes e planas;
num fluxo que mal se nota, caio no sono.
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After Bach
In the cello suites we learn the way despair,
deepest sadness, can and must be phrased
as praise, thanksgiving. Of course we knew
this anyway but mightn’t have dared it on
our own.
And the way the sadness can be in part
to accept the absence of One to say it to.
Depois de Bach
Nas suítes para violoncelo aprendemos como o desespero
e a mais profunda tristeza, podem e devem ser expressas
como louvar e dar graças. Claro que sabíamos disso
de um jeito ou de outro, mas não teríamos ousado pensar
por nós mesmos.
E o modo como a tristeza pode ser em parte
a aceitação da ausência Dele para dizê-lo.
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Walking. Waking.
The way I want sleep is the way I’ll want not
waking. But, for now, waking is still good.
In sleep’s woods, waking’s the open lake
of surprise. We intended only the wood’s close.
Caminhando. Despertando
O jeito como quero o sono é o jeito como não vou querer
despertar. Mas, por ora, despertar ainda é bom.
No sono da mata, despertar é o lago aberto
da surpresa. Queremos apenas a mata por perto.
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The winter light
We see light but we live in the cold and the dark
— winters anyway. We are aware
that that isn’t all that there is. We wouldn’t have
it otherwise. How should we not know
and be alive, not be deprived? I saw
this afternoon the whiteness under the dark
clouds and rejoiced that we know the light as much
and even more from gone than when it is there.
A luz do inverno
Vemos a luz mas vivemos no frio e na escuridão
— invernos, em suma. Estamos cientes
de que isso não é tudo o que há. Não pensaríamos
o contrário. Como deveríamos não saber
e estarmos vivos, não estarmos privados? À
tarde vi a brancura sob as nuvens escuras
e me alegrei porque vemos a luz tão
e até mais pelo que passou do que quando ela está ali.