em Évora
era um muro em algum lugar no vilarejo
o muro adorando falar de fronteiras mas sob o seu linguajar próprio
daquilo que ele escondia do outro lado dele
dos joelhos raspados e arranhados das crianças
das pedras soltas sem obrigação de impedir nada dos buracos
por onde com um olho se descobria o terreno baldio inocente
brotando mato livre e flores silvestres dos passarinhos sem saber
de muro nenhum dos besouros gordos e de outros insetos invasores
que ovularam ali no interior mole de um pedaço de madeira largada
e umas florzinhas brancas vigorosas e atrevidas que sobrevoavam
por cima do muro espiavam algo além e regressavam
ao terreno abraçado pelas pedras brincando de ciranda
Berlin, U2
dentro do vagão entra um mendigo vendendo o jornal de rua
possui os olhos vermelhos e pesados murmura algo ininteligível
uma estranha oração? na próxima estação entram dois ciganos
um tocando acordeão o outro corneta e um menino com o copo
de plástico colhendo metal alguém não consegue mais falar ao celular
nas janelas transparentes riscadas passam os sladys da cidade
um atrás do outro e os braços longos de aço dos gigantescos guindastes
o mendigo saiu sem ganhar nada a música barulhenta e desafinada acaba
abrupta quando as portas de novo se abrem
uma moeda cai no chão e vai rolar no vão entre o trem e a plataforma
como um réptil fugindo de algum risco
não tão rápido mas com a certeza do caminho
os músicos partem e o menino atrás
tentando recuperar o perdido apenas com o olhar
também assim é o adeus