Três poemas de Fábio Amaro

Leia os poemas "Rebeldia", "Festim" e "Sparkles" do poeta gaúcho
Ilustração: Carlos Dala Stella
01/09/2020

Rebeldia

À V.

Tua indignação me emociona.

Querias era queimar os bancos,
soltar os cães,
dividir o pão.

Toca-te o drama das crianças
mexicanas
que nunca verás
acima do Rio Grande.

Teu coração se expande
e se retrai
como uma bomba de sonhos,
miragens,
narrativas modernas,
iras sinceras,
glóbulos vermelhos
e amor.

Com teus espelhos,
juntei os fragmentos
dos meus escombros.

Aperto teus ombros
antes de dormir.

Desfaço teu cansaço
em carícias
e te arrepio a pele.

Respiro fundo,
te beijo o rosto.

É preciso acordar disposto
a mudar o mundo.

 

Festim

Disparei todas as balas
na última guerra.

Depus espada, adaga
e canhão.

Deixo verter amor dos olhos
pela total impossibilidade de dobrar
o destino com dor.

O calor do colo da mãe
é fruto das muitas Marias no chão.

Deito no aluvião para lavar
os resquícios de ódio na alma.

Grudam que nem piche
sem sol.

Dei de dar cabo nas minhas
aparas para não mais quebrar
os dedos dos pés.

Fui forjado no barro,
anoiteci na pedra.

A lua ascendeu e estilhaçou
meus degredos.

Tive muitos segredos,
hoje os esqueci.

Decidi que o momento é supremo
e a vida, movimento.

Sem leitmotiv, nem melodia,
nem pauta.

Improviso que a noite alta
assossega.

Vem, vento, carrega
meu medo pra longe do pensamento.

Colherei as estrelas
nas gotas de sereno sobre os agapantos.

O deleite dos espantos
é minha gema.

Minha novena é uma ária
com Callas.

A grandeza cala a boca,
liberta as amarras.

Inspiro forte e me encho
de graça.

A caça é coisa que se perpetra
pra dentro.

Tem uma floresta no centro do mundo.

Protuberam-lhe medicinas.

Curei minhas sinas com raízes
e folhas brilhantes.

Nada será como antes,
pois nunca é.

Espero para ver qual é
enquanto trabalho.

Vesti o hábito dos hippies
e suas guirlandas de flores.

Tinha o desejo de tempos idos.

Dizem que é sofrido zarpar.

Não para mim,
que sempre sonhei com outro lugar.

 

Sparkles

As fagulhas me comovem
quando largam o fogo no sentido do ar,
até desaparecerem.

Meu calcanhar de Aquiles
escondi
no fundo das meias de lã.

O brilho tem imantações
nas limalhas da pele,
e até que é divertido sofrer
quando se ouriçam.

O ritmo fugaz do mundo
é um absurdo
e a carestia não parou de crescer.

Por isso é que sento
no balanço na lua,
sob a árvore que eu mesmo plantei.

Sou o rei sem súditos
do meu país.

Como todos de se ver,
como todos que a terra há de comer.

Fábio Amaro

Nasceu em 1977, em Pelotas (RS). É poeta e professor na Universidade Federal de Pelotas. Na segunda metade de 2019, publicou o volume de poesia Babel. Havia publicado outros dois livros anteriormente: O carrossel dos desvarios voláteis – ensaios poéticos, em 1999, e O terceiro lado da moeda, em 2017. Viveu em Brasília entre 2003 e 2013.

Rascunho