Três contos de Carlos Alberto Gianotti

Três contos de Carlos Alberto Gianotti
Carlos Alberto Gianotti
01/01/2003

Uma vida pelas costas
Lamentável é que tenha chegado mais esta sexta-feira: quer dizer, estamos deixando outra semana de vida para trás. Bom seria se ainda fosse segunda-feira passada, pois assim teríamos uma semana de vida pela frente.

O estucador do infinito
Conhece como ninguém as dosagens de gesso, cal, água e cola para obter o estuque perfeito, foi exímio no manejo dos parcos instrumentos necessários à construção de um teto de lisura irretocável. Mas já se tratam de habilidades desúteis, pois, com as modernidades disponíveis hoje, ninguém mais cogitará de fazer o forro duma casa com esse material. Compulsoriamente aposentado por força do anacronismo do ofício, resigna-se apenas com o apaziguante sonho, sonhado dia ou noite por horas a fio, em que se configura seu perfil nebuloso, manuseando os apetrechos em vigorosas e certeiras demãos, cobrindo do branco estuque o interminável do firmamento.

O homem que não tomava mineral sem gás
Devido à sua compulsiva descrença nas pessoas, ele sequer tomava água mineral sem gás. Só bebia da com gás. Acreditava que o dono da mineradora da água mineral, no lugar de colocar nas garrafinhas água proveniente da mina, as enchia com a da torneira do tanque do fundo do quintal da casa, apenas adicionando uma pitada de bicarbonato de sódio para coonestar o sabor.

Carlos Alberto Gianotti

É professor de Física e editor. Escreveu os contos de Um rio circunferencial (WS Editor) e os ensaios de Falar o que seja é inútil (Circuito).

Rascunho