Poema de Antonio Carlos Secchin

Leia o poema inédito "Translado"
Ilustração: Alexandre Teles
27/11/2015

Translado
o lado além do outro lado

Tem um lado com
Tem um lado zen
Tem um lado zoom
Outro desfocado
Tem um lado chão
Outro lado alado
Tem um lado não
Tem um lado vim
Tem um lado voz
Tem um lado mim
Tem um lado algoz
Tem um lado sim
Tem um lado sou
Tem um lado quem?
Tem um lado zero
Tem um lado nem
Do lado de lá
Tem um lado além
Tem um lado lei
Toma então cuidado
Vem para apagar
O teu braseado
Tem um lado solto
Tem lado soldado
Esse lado aí
Te deixa confuso
Pronto pra arrochar
Feito um parafuso
O lado soldado
Me deixa lelé
Me imobilizando
Do pescoço ao pé
Preso na armadura
Eu fiquei fundido
Frente à solda dura
Me senti banido
Quero me sentir
Desencadeado
Com meu lado em
Tudo quanto é lado, a-
brindo um contrabando na
Contramão da pista eu
Finjo que sou cego
Pra não dar na vista
Eu procuro enfim
Qualquer endereço
Que não me dê um nó no
Meio do começo
Tem um lado aquém
Bem descontrolado
Tem um lado assim
Tem um lado assado
Um fermenta ali
Outro deste lado
Tem um lado sem
Mesmo acompanhado
Tem um lado tem
Com mais nada ao lado
No meu lado 1
Não fico à vontade
Ele só me dá o
Dobro da metade
Entre o não e o sim
Não quero o talvez, me-
lhor me embaralhar
Junto com esses três
Tem o lado 3
Lado bem bacana
Desde que caibamos
Quatro numa cama
Tem o lado light
Esse me seduz
Pois além de leve
Ele me dá luz
Lá no lado dark
Nada é tão festivo
Mas até no inferno
Eu me sinto vivo
Tem um lado mas
Que chega atrasado
Avisando a mim
Que tudo somado
Só resta a raiz
De um metro quadrado
Todo o resto é lero
Para o boi dormir
Múltiplo de zero
Pra me dividir
Entre o lado bom
E meu lado B
Entre o aqui e o lá
Fico lá e aqui
Sem saber dizer
Onde vou chegar
Nem tentar saber
Que lado seguir
E neste translado
Eu só quero quem
Queira vir comigo a-
lém do verso 100.

>>> O poema Translado integra o livro Desdizer, a ser publicado em breve.

Antonio Carlos Secchin

É poeta, ensaísta, professor emérito da UFRJ e membro da ABL. Em 2017 publicou Desdizer, poesia reunida, editada em Portugal no ano seguinte. Seu livro Percursos da poesia brasileira, do século XVIII ao XXI ganhou o prêmio da APCA para melhor livro de ensaios publicado no país em 2018.

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