Poema de Paulo Rosenbaum

Leia o poema inédito "Totens da perplexidade "
Ilustração: Rafa Camargo
01/05/2014

Totens da perplexidade

Sujeitos indefinidos
peregrinam nas nações
entre benfeitorias sem transcendência,
laicismos imprecisos.
Não se veem campos, sinais de gritos, angústia das vítimas
mas, em cada parada,
a cada pequena entranha,
e, dentro da floresta negra,
cavernas preservadas, coleções intactas, predação canônica
a seleção, naturalmente objetivada
pela negação de qualquer sentido.
Não interessa que não vistes,
(nem quem nunca viu),
não importa o alimento dos dizimados
nem quem fez menos silêncio
no vapor da constância.

Saberemos quando vivermos
fora dos esconderijos desacreditados
na sonolência programada
entre qualidades instáveis,
que estão, como nós, extintas.
Nos rios sem leito, paisagens sobre trilhos
no protocolo superado, a melancolia,
e enquanto o mundo repensa uma paz
os resíduos evaporados
fazem do sensorial
a travessia que importa.

No solo tingido,
como furos de flauta
alternam sons,
das curvas do mundo
na atenuação final das vidas.

Se estamos aqui, ainda e assim
permanecemos, no tempo exato
é que nossos olhos
retêm o não expresso
e, como trens, invadimos o mundo com troncos negros
que moem cores,
para fixar nelas,
a medida do carbono.

Da matéria que se impõe
e referenda o espírito,
subtraindo contextos das proporções extremas
atraídas à latitude da ilusão.

Estivemos nos olhos
respiramos nas noites de cristais
recusamos o esfacelamento e o genocídio com certezas do impossível.
Testemunhamos a violência do descuido,
até que a perplexidade
gere seus totens.

Paulo Rosenbaum

É médico e escritor. Autor de sete livros na área médica e organizador de outros dois. Publicou o romance A verdade lançada ao solo (Record). É colunista do Jornal do Brasil, na seção Coisas da política. Edita o blog Conto de notícia, publicado regularmente n’O Estado de São Paulo.

Rascunho