Poema de Maria José Giglio

Leia o poema "Thánatos: quatro estações"
Ilustração: Fabiano Vianna
03/06/2014

Thánatos: quatro estações

1.
Suicido-me todos os dias
indiferente aos apelos
de meu corpo.

Lento e fundo
respira a lagartixa
esta manhã de junho.

Sinuoso
range-range de folhas
movimenta o jardim.

Pelos poros da matéria bruta
a casa exsuda.

Cansa viver.
Assisto com enfado
à intérmina reprise.

INVERNO outra vez
a paisagem embaça.

Álgido arrepio
resseca os ramos
para ruína das sementes
no asfalto.

Das árvores desfolhadas
pendem como lágrimas
os frutos temporãos.

2.
As chuvas chegaram.

Igual peixe no aquário
vejo o mundo liquefeito.

Mais que os brotos verdolengos
é PRIMAVERA
a algazarra dos pássaros.

Porque os Ipês
aveludam vagens
e os mornos xaxins
exuberam orquídeas

teço signo e fibras
esse nunca
que anulará.

3.
Acontece
o ballet das andorinhas:

Silencioso
o alado círculo
revolteia
em torno a árvore.

Com olhar opaco — espio.
Com sentidos frágeis — capto.
E não entendo.

VERÃO, agora, é isto:
tropel de nuvens, ventania
chuva, granizo, e cansaço.

4.
Planto três SSS
no limiar deste OUTONO
apesar da terra árida
e o tempo escasso.

Estação das cigarras
da carnação dos frutos
do afã dos casulos
sob as folhas ásperas.

Intermezzo
que fecha o ciclo, e reinicia.

No monturo
dos anos gastos
viceja, sim, rasteira
— a melancolia.

Maria José Giglio

Nasceu em 1933. Sua obra está traduzida para o italiano, espanhol, inglês, francês e húngaro. É autora, entre outros, de Para violino solo e O corpo do mundo.

Rascunho