Quando
Não é sempre que te quero.
É só quando a aurora
com olheiras roxas
chega atrasada ao ocaso da noite;
É só quando o tempo
com cabelos desgrenhados
veste sua camisa pelo avesso;
É só quando a lua
comovida por um beijo abandonado
esquece-se no firmamento
em soluços até o meio-dia;
É só quando a pena
verga-se flácida
e o tinteiro resseca-se por não conseguir grafar adeus;
É só quando mais não me vejo
e o que fora de mim jaz semeando chuva,
plantando, não minha carne, mas minha angústia;
Não é sempre que te quero:
é só quando existo;
…
Olhos abertos
Não, não pisca!
Aconteça o que for,
mantenha a pupila dilatada
e as pálpebras escancaradas ao eterno.
Pelo amor de deus,
não pisca!
Tens a lua em tua íris.
Nesse refratário úmido,
o ontem, o hoje e o talvez
ecoaram em uníssono
e fui pleno.
Ao menos ali
reconheci-me íntegro,
como o espelho sempre me negara.
E altivo, fiz-me todo:
a criança que não fora;
a caligrafia que não praticara;
a palavra que não esculpira;
o beijo que não dera;
o leão que não adormecera;
…mas era eu…
Eu por mim desconhecido,
aquele que tu sonharas.
Era pleno e estilhaçado.
Mitigado em planos
e recomposto em amor:
o teu.
…
Assim
Porque seria antes assim
quando tua sombra te precedia
e teus cabelos só chegavam horas depois,
já no momento em que a sala, plena de ti,
me abafava à claustrofobia,
não sendo possível ali acomodar
a mim e minha saudade.
Porque assim antes fosse
quando tua sombra claudicava no tempo
e o perfume de teus cabelos é que inaugurava a noite,
então meu quarto, pleno de ti,
me devorava à glutonia
e ainda que um pedaço a mais de ti me causasse vertigens
escolhia eu sempre a tontura.
Porque antes assim fora
quando tua sombra esquecera-se numa tarde qualquer
e só o movimento de teus cabelos eu reconhecia quando as nuvens se misturavam,
pois meu corpo, que só existia em ti,
desvanecia-se à translucidez
reconhecendo eu na cratera de teus olhos a morte,
da vida partindo sem olhar para trás.