Entro no meu retângulo e tudo muda. A fome passa. O calor toma conta. Esqueço tudo do lado de fora. Não tem portão, portas e nem chave para fechar. A tranca que me deixa preso ali é o meu desejo de fazer e acontecer. Rola tudo ali dentro, desde desprezo, raiva e sede. Sede de tudo, de água. A sede de ganhar, de fazer e acontecer. E a sede de vencer o meu óbvio futuro. A fuga da minha clara realidade. Gosto de fazer o sinal da cruz no meu franzino corpo. Sinto esse gesto como um anabolizante inflando a minha moral. Rola a bola. Saio das minhas linhas retas e entro no círculo. Ando pra frente com a boca aberta e os olhos cerrados. Fico surdo, não ouço e nem quero ouvir nada de fora. Trombo, agora sou gigante, aguento a pancada, dou a paulada e corro pra frente, atrás vem gente. Vem a raiva, foge a razão, vem o oitão, o sete, o onze, vêm todos para defender o 1. Sempre o primeiro é defendido, engraçado, o primeiro deveria aguentar tudo sozinho, mas não, tem o 2, o 3, o 4, o 5 e o 6 fazendo uma linha de defesa. Justo eu que sou o 7, o sétimo guerreiro, o ponta de lança para furar esses pregos. Voo, afinal estou dopado de fé e esperança, entro em outras linhas e disparo, atiro, tudo é silêncio, gestos, suor, poeira, a boca seca, os dentes pra fora, um milésimo, dois milésimos, três milésimos, quatro milésimos, isso é muito pouco tempo, o tempo que mudou aquela cena. O barulho metálico ecoa por ali, o couro rela no ferro e escorre nos fios… Uma outra bomba faz meu coração explodir, meu magro corpo retesa, parece o início da convulsão semanal. Paraliso nesse instante micro, casual, banal para quem vê e eterno para mim. Todos correm, do 1 ao 6 me olham com desprezo, raiva, mandam eu tomar no cu. Do 7 ao 11 me abraçam e o gordo que é o 2, corre daquele jeito estranho e cai em cima de mim. Aquele cheiro de sempre me afoga, meu corpo relaxa, meus olhos se abrem e uma lágrima escorre.