Poemas de Rodolfo Alonso

Leia os poemas "Mortos do século 19", "Corpo presente", "Ritratto d’autore (de Pavese)", "Europas", "Ode a Jonathan Swift" e "Não há dia da morte"
Rodolfo Alonso, autor de “Dos simbolistas aos modernistas”
01/04/2010

Mortos do século 19

Semeados
sobre o rosto impassível do planeta

Devolvidos
ao seu sonho sagrado
ao barro fundador
ao pó cósmico

Acaso
só em nossa memória continuam vivos
com seu jeito de gozar ou de terror
de indiferença ou acaso

Essa segunda morte lhes levamos

Então
já não serão fantasmas
para ninguém

Corpo presente

Tantas como sonhamos
merecer uma

(Uma mulher

coxas de tempestade
seios de vento
sagrado cheiro de mar)

Toda mulher
sentada
no augusto trono
de sua cintura

Imensa

Ritratto d’autore
(de Pavese)

Pela doce janela
a lembrança de um sol
que também era amargo
na ausência de então.
E a lembrança de um pinheiro
nascido em outra infância
que já não é nem lembrança
na amarga doçura
da acesa ausência.

Europas

Como nos mortos
que ardem na memória
basta um nome, uma data,
para que tudo volte.

Que tanto assolou minha infância?
Por que no que eles olham
só alcanço ver lutos?

Maquiada em tragédias,
pobre Europa despida
de esfarrapadas riquezas.

Ode a Jonathan Swift

O que o humor não pôde
não o terá a morte.
Luz da inteligência,
coração de razões,
luz de razões, o homem
nem sempre come sombra.

Propõe, com modéstia
(desde a Irlanda, no mundo,
faz trezentos anos),
iluminar a vida,
ou morrermos de rir,
ao menos, da infâmia.

Não há dia da morte

À memoria de José Augusto Seabra

Imóvel, incessante,
a morte, árida, impura.

Infiel, infame, injusta,
a dura morte dura.

Impaciente, infecunda,
a inútil morte, muda.

Indubitável, não duvida
a morte ávida e pura.

Rodolfo Alonso

Poeta, tradutor, crítico e ensaísta, nasceu em Buenos Aires em 1934. Foi o membro mais jovem da lendária revista de vanguarda Poesia Buenos Aires. Publicou 26 livros. Primeiro tradutor de Fernando Pessoa na América Latina (1961). Foi amigo de Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes, tendo traduzido ainda Manuel Bandeira, Olavo Bilac, Dante Milano, Cecília Meireles, Augusto Frederico Schmidt, Vinicius de Moraes, João Cabral de Melo Neto, Aníbal Machado, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Lêdo Ivo. Detentor de vários prêmios em seu país e no exterior, tem publicado no Brasil Dos simbolistas aos modernistas (2002) e Antologia pessoal (2003), ambos pela Thesaurus.

Rascunho