Mortos do século 19
Semeados
sobre o rosto impassível do planeta
Devolvidos
ao seu sonho sagrado
ao barro fundador
ao pó cósmico
Acaso
só em nossa memória continuam vivos
com seu jeito de gozar ou de terror
de indiferença ou acaso
Essa segunda morte lhes levamos
Então
já não serão fantasmas
para ninguém
…
Corpo presente
Tantas como sonhamos
merecer uma
(Uma mulher
coxas de tempestade
seios de vento
sagrado cheiro de mar)
Toda mulher
sentada
no augusto trono
de sua cintura
Imensa
…
Ritratto d’autore
(de Pavese)
Pela doce janela
a lembrança de um sol
que também era amargo
na ausência de então.
E a lembrança de um pinheiro
nascido em outra infância
que já não é nem lembrança
na amarga doçura
da acesa ausência.
…
Europas
Como nos mortos
que ardem na memória
basta um nome, uma data,
para que tudo volte.
Que tanto assolou minha infância?
Por que no que eles olham
só alcanço ver lutos?
Maquiada em tragédias,
pobre Europa despida
de esfarrapadas riquezas.
…
Ode a Jonathan Swift
O que o humor não pôde
não o terá a morte.
Luz da inteligência,
coração de razões,
luz de razões, o homem
nem sempre come sombra.
Propõe, com modéstia
(desde a Irlanda, no mundo,
faz trezentos anos),
iluminar a vida,
ou morrermos de rir,
ao menos, da infâmia.
…
Não há dia da morte
À memoria de José Augusto Seabra
Imóvel, incessante,
a morte, árida, impura.
Infiel, infame, injusta,
a dura morte dura.
Impaciente, infecunda,
a inútil morte, muda.
Indubitável, não duvida
a morte ávida e pura.