Ao menor sinal de queda da temperatura, seguido de um contato acidental com o dorso metálico das coisas — a perna de ferro da cadeira, o chaveiro amanhecido, a maçaneta sisuda ou o mármore da mesa — o alarme dispara. Os prisioneiros saem incontinenti das celas e se amontoam nos corredores. Levantam piquetes à entrada, feitos deles mesmos. Conspiram, densos, contra o tempo, a estreiteza dos minutos e da carne. Cortam fios, vedam passagens, interrompem qualquer diálogo com o exterior.
Depois, partem para a briga, irritados. Esmurram as paredes. Fazem ranger as cartilagens, dão estalidos, espirros, cotoveladas. Praguejam e latejam, firmes, entre os corredores, bem diante de mim. Ou melhor, dentro de mim.
Incorporo-os; são meus. Seu desespero repercute até os tímpanos, chega aos olhos, faz-me lacrimejar. Que querem? Sem alternativa, abro seguidas vezes a boca para sobreviver. Que anjo terrível me escutará? Não há resposta além, nem escapatória. Tudo está aqui, concentrado no rosto. Agora. A angústia adquire forma física, apalpo-a entre os dedos. Em questão de minutos, talvez segundos, bloqueada a entrada, tudo poderá implodir, de alto a baixo. Álibi nenhum me salvará.
Resta-me, porém, uma saída: apanhar o descongestionante ao lado da mesinha da sala e pingar três gotas da solução em cada narina. Sento-me em uma cadeira, inclino a cabeça, submisso, e as deixo cair, enquanto olho para o teto e o tempo. Ato contínuo, aperto com o polegar e o indicador os dois canais, a fim de liquidar com um só golpe a massa, o muco rebelde.
Distendo os dedos e espero. De repente, uma barreira cede, de um lado: um fio de ar e luz penetra a cavidade. De outro, a espessa cortina recua aos poucos e se afasta. (Sei que voltará noutra hora.) Puxo o ar com a força dupla desse instante. Solto o ar, sou o ar. Sorvo-o fundo outra vez e a mim mesmo pelo nariz. E com ele o universo se me refaz, esperançoso e livre.