Quinze haicais de José Juan Tablada

Haicais de José Juan Tablada
José Juan Tablada, poeta, jornalista e diplomata mexicano
01/03/2002

Tradução e nota de Ronald Polito

O nome de José Juan Tablada deveria dispensar apresentações, tal a grandiosidade de sua obra, não fosse o pequeno conhecimento que, no Brasil, temos da literatura hispano-americana. Tablada nasceu no México, em 3 de abril de 1871, e morreu em Nova York, em 2 de agosto de 1945. Modernista em sua primeira fase, defendeu a nova estética na Revista Moderna (1898-1911). Talvez tenha visitado o Japão em 1900, mas há dúvidas sobre esta viagem. É desta época o gosto que adquire pela arte e pela poesia japonesas, particularmente pelo haicai, sendo ele provavelmente o primeiro latino-americano a escrever e publicar haicais no Novo Continente, antecipando-se, portanto, a Guilherme de Almeida. Com a queda de Victoriano Huerta, em 1914, Tablada teve sua casa saqueada e a sua coleção de objetos de arte japonesa foi destruída. O poeta migrou então para Nova York, onde viveu até sua morte. Profundo conhecedor da arte pré-hispânica e da arte popular da América Espanhola, deixou textos importantes a este respeito, além de empregar vários termos da língua náuatle em seus poemas. Amigo de López Velarde e defensor dos pintores Orozco e Rivera, libertou a metáfora antes dos Ultraístas e escreveu poemas caligramáticos quase ao mesmo tempo que Apollinaire, de que é exemplo o seu genial poema ‘‘Li-Po’’, do livro Li-Po y otros poemas. No poema de Tablada, os poemas de Li-Po são parafraseados e ao mesmo tempo mesclados com a fabular biografia do conhecido poeta chinês. Aliás, o livro Li-Po y otros poemas e o seguinte, El jarro de flores, são radicalmente experimentais, com o poeta dialogando em particular com o Futurismo na literatura. Edgar Varèse escreveu em 1922 uma catata, intitulada Offrandes, com um poema de Tablada e outro de Huidobro, o que dá bem a medida do interesse de Tablada por todas as vanguardas do princípio do século. Mas é conveniente anotar que Tablada também escreveu poemas em todos os metros e formas, sendo exímio em qualquer um deles. Octavio Paz sempre sublinhou a importância de Tablada para sua própria obra, tanto em termos formais quanto temáticos, o que pode ser verificado em algumas cartas que remeteu a Haroldo de Campos (publicadas no volume Transblanco). Os principais livros de poesia de Tablada são: El florilegio (1899); Al sol y bajo la luna (1910); Un día… (1919); Li-Po y otros poemas (1920); El jarro de flores (1922) e La feria (1928). Os haicais aqui traduzidos fazem parte de seu livro Un día…, e é importante observar, por um lado, a liberdade formal dos mesmos, que não se prendem a um padrão métrico, bem como, por outro, a sua liberdade temática, por não se aterem ao clássico tema japonês das estações do ano. Em minhas traduções, tentei reconstituir, em diversos momentos, as rimas e a métrica originais. Até onde sei, nunca foram publicados poemas traduzidos de Tablada no Brasil.

El Saúz
Tierno saúz
casi oro, casi ámbar,
casi luz…

O salgueiro
Terno salgueiro
quase ouro, quase âmbar,
quase luzeiro…

Los gansos
Por nada los gansos
tocan alarma
en sus trompetas de barro.

Os gansos
Por nada os gansos
tocam alarme
em suas trombetas de barro.

Los sapos
Trozos de barro,
por la senda en penumbra
saltan los sapos.

Os sapos
Bocados de barro,
pela senda em penumbra
saltam os sapos.

Mariposa nocturna
Devuelve a la desnuda rama,
nocturna mariposa,
las hojas secas de tus alas.

Mariposa noturna
Restitui à desnuda rama,
noturna mariposa,
as folhas secas de tuas asas.

La araña
Recorriendo su tela
esta luna clarísima
tiene a la araña en vela.

A aranha
Pela teia em reparo
esta lua tão nítida
tem à aranha em claro.

La luna
Es mas la noche negra,
la nube es una concha,
la luna es una perla…

A lua
É mar a noite negra,
a nuvem uma concha,
a lua uma pérola…

El bambú
Cohete de larga vara
el bambú apenas sube se doblega
en lluvia de menudas esmeraldas.

O bambu
Foguete de longa vara
o bambu apenas sobe se dobra
em chuva de miúdas esmeraldas.

Libélula
Porfía la libélula
por prender su cruz transparente
en la rama desnuda y trémula.

Libélula
Empenha-se a libélula
em prender sua cruz translúcida
na ramada desnuda e trêmula.

En liliput
Hormigas sobre un
grillo inerte. Recuerdo
de Gulliver en Liliput.

Em liliput
Formigas sobre um
grilo inerte. Lembrança
de Guliver em Liliput.

Vuelos
Juntos en la tarde tranquila
vuelan notas de Ángelus,
murciélagos y golondrinas.

Vôos
Juntos pela tarde tranqüila
voam notas de Ângelus,
morcegos e andorinhas.

El mono
El pequeño mono me mira…
¡Quisiera decirme
algo que se le olvida!

O mono
O pequeno mono me fita…
Quisera dizer-me
algo que se lhe olvida!

Panorama
Bajo de mi ventana, la luna en los tejados
y las sombras chinescas
y la música china de los gatos.

Panorama
Sob minha janela, a lua nos telhados
e as sombras chinesas
e a música chinesa dos gatos.

Peces Voladores
Al golpe del oro solar
estalla en astillas el vidrio del mar.

Peixes voadores
Ao golpe do ouro solar
estala em estilhas o vidro do mar.

Sandía
Del verano, roja y fría
carcajada,
rebanada
de sandía.

Melancia
Do verão, vermelha e fria
gargalhada,
lasca da
melancia.

El burrito
Mientras lo cargan
sueña el burrito amosquilado
en paraísos de esmeralda…

O burrinho
Tomando a carga
sonha o burrinho mosqueado
com paraísos de esmeralda…

Ronald Polito

É um poeta, ensaísta, tradutor e historiador brasileiro.

Rascunho