Havia algo por vir. O céu cinzento não ameaçava meus planos. A previsão do tempo também não.
Em menos de dez minutos, o centro da cidade.
Nem multa nem artigo do código de trânsito fariam com que eu deixasse de sentir o vento diretamente no rosto.
Sinais verdes na Cruz Machado. Um, dois, três, quatro. Dobro à direita e estou na Praça Tiradentes.
Neste instante, agora, depois de tudo, penso se não deveria ter seguido em direção do Teatro Guaíra ou do Alto da XV. Dobrei uma vez mais à direita, o que me levou pra Carlos de Carvalho.
Seguia pro futuro e em três segundo um ônibus surgiu no meu caminho. O que aconteceu entre a colisão e a chegada em um leito hospitalar é mistério.
No dia seguinte, um jornal noticiou que um jovem furou o sinal vermelho e foi atropelado por um ônibus sem passageiros que transitava pelo centro. No depoimento à polícia, o funcionário da viação afirmou não ter percebido que havia atropelado o rapaz que dirigia a moto, e, não fossem os gritos dos pedestres, continuaria seu trajeto.
Não lembro de detalhes e também não tenho recordação de nenhuma dor ou desconforto. O burburinho, as vozes dos espectadores — isto reverbera em mim. Mas foi tudo rápido demais.
O que demorou foi o socorro. O acidente congestionou o trânsito — os automóveis superlotavam as ruas naquele fim de tarde.
No hospital, devo ter sido arremessado sobre uma daquelas camas com rodinhas. Médicos, enfermeiros e estagiários conduziam meu corpo pelos corredores até uma possível UTI.
Luzes acesas, equipamento ligados, medicamentos manuseados, pessoas sendo solicitadas e, de repente, um pássaro começa a cantar.
Sim, nosso encontro estava marcado para este fim de semana. Namorar alguém que vive em outra capital é complicado, mas estes oito meses contrariavam as previsões dos amigos.
Uma vez a cada 30 dias, dois só pra nós — assim construímos a relação.
Cada encontro se fazendo independente de nossa ansiedade. A fila de ingressos nos impedia de conferir aquele filme que tanto comentamos por telefone. Por e-mail, entre declarações e palavras reservadas, sempre uma sugestão noturna. Os bares lotados. As ruas escuras. O dia nascendo se revelava a opção possível. A dois.
Ela e seus planos. Eu com palavras soltas e idéias inconclusas. Nossa conversa embalada a café e água com gás. A tevê sempre desligada. Nenhum de nós com relógio no pulso.
Caminhar pelas ruas até mesmo com chuva. Nossas cidades eram semelhantes. As feiras das manhãs de domingo, a rua principal apenas para pedestres, o centro um pouco desbotado.
Um preferia a cidade do outro. Pelas diferenças.
Mas não podíamos viver no mesmo local.
Uma dúvida a remoer toda noite: se morássemos juntos, daria tão certo?
O pássaro ainda canta. Mas agora estou longe demais. Inacessível pra ela. E pra tudo.