Poemas inéditos de Nicolas Behr

Leia os poemas de Braxília revisitada de Nicolas Behr
O poeta Nicolas Behr
01/11/2004

brasília só para convidados

sem crachá não entra
sem carimbo não entra
sem puxar o saco não entra
sem este poema não entra

….

brasília nasceu de um gesto primário.
dois eixos se cruzando. ou seja, o próprio
sinal da cruz. como quem pede benção
ou perdão.

três da madrugada no eixão
sem ter pra onde ir
sem ter pra onde correr
gritar não vale
morrer não adianta

….

turistas casuais, indiferentes,
fazendo xixi no pé do monumento

valores de uma sociedade
espírito de uma nação

blá blá blá blasília

ontem desabaram sobre mim
duas superquadras inteiras

quando vai ser inaugurada
em mim esta cidade?

tuas qualidades arquitetônicas
meus defeitos poéticos

se estão a preservar cidades barrocas
por que não incluir brasília?

respeitosamente encaminho a vossa senhoria,
em anexo,a planta do anexo do anexo do
anexo do ministério sem nexo

no dia da inauguração os candangos jogaram
seus sonhos pra cima. quem pegar pegou

logo depois – impossível nâo notar –
estão as ruínas de brasilia

mesmo após brasília ainda continuaremos
desejando viver em sociedade?

meu olhar distorcido sobre ti
meu olhar cego meu olhar doce

meu lirismo não-amoroso
te cantar é desencantar

não ficará carimbo sobre carimbo.
e carimbo sobre carimbo reconstruiremos a cidade.
sem carimbo

brasilia não envelheceu

abrasileirou-se

no princípio era a lama
a lama virou cama
e a cama virou câmara
onde eles legislam
deitam e rolam

clips promovido a grampeador
sonhando ser carimbo um dia

começa a demolição

quero para mim os anjos da catedral

o nível do mar abaixou e
o esqueleto da cidade surgiu.
quem foram os construtores desta
fantástica cidade? teriam sido felizes
os seus habitantes?

como decifrar tua caligrafia
de postes e ventos?

como brasilia poderia dar certo
com o brasil em volta?

a poesia chapa-branca
atropela o poeta-oficial
em pleno eixão

as mudanças no plano piloto
as mudanças em mim

é possível tocar a pele da cidade?

a grama queimada
a educação pelo fogo

brasilia é o fracasso
mais bem planejado
de todos os tempos

….

brasília é a incapacidade do contato afetivo
entre a lage e o concreto

feche suas asas
sobre eles
feche
isso
agora aperte bem

arte rupestre do modernismo
painéis de athos bulcão

indícios, vestígios de ti

a superquadra nada mais é
do que a solidão divida em blocos

a cidade é isso mesmo que você está vendo
mesmo que você não esteja vendo nada

,,,

chegou ao último degrau da carreira
e, lá de cima, pulou

..,.,

é o fogo no cerrado
ou é brasília que queima, lá longe?

aquelas luzes ali é brasilia?
e ali moram… pessoas?

burocratas de verdade
só fazem amor em almofadas de carimbo

….

Do livro inédito

BRAXÍLIA REVISITADA.

 

Nicolas Behr

Nasceu em Cuiabá (MT), em 1958. Mora em Brasília desde 1974. Três anos depois, lançou seu livro mimeografado, Iogurte com farinha, o primeiro de muitos. Foi redator publicitário. Em 2015, o Instituto de Letras da Universidade de Brasília instituiu o Prêmio Nicolas Behr de Literatura.

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