Invocação do corpo
Bendito o meu corpo
apesar dos pesares.
Maldito o meu corpo.
bendito e maldito
meu corpo finito
de tantos esgares
e vãos imaginares.
Bendito este mito.
o corpo, meu mito,
meu único mito.
Ó lenda estupenda
do poeta precito
o supremo fito.
Ó corpo, ó corpo!
O corpo e seu sopro,
meu barco, meu porto
no périplo torto,
orporatura
da grande aventura
da vida, da sorte
da morte.
…
Exéquias
Exit. Fui.
Enfim, fui-me.
Reintegrei-me no flume
de lume — a eternidade.
Enfim o fim da busca
da diferença entre
mentira e verdade.
Tudo agora é eternidade.
Tel quel, enfin, l’eternité
En lui même le change.
Nem humano, nem demônio
nem um sonho de anjo.
Plenitude total,
sem bem, nem mal.
Enfim a plenitude
do homem-animal.
De volta à minha
verdadeira condição
de elemento ígneo
do indígno
signo terráqueo.
Aleluia! Aleluia!
não eterno
de mala e cuia!
…
Lenda
Minha vida mais parece uma lenda
tão real e irreal, mágica festa.
Mesmo adunca e infesta.
Nem sinto mais meus antigos
desconsolos. nem doem mais
meus terríveis dolos.
Generalizada bruma,
tudo já se esfuma em vagos
vultos. e tudo vai sumindo.
e do meu ego — meu enorme ego —
só resta o desapego
de tudo quanto fui.
…
Poemas para o mar
Invade-me o mar
e o sangue
faz-se espuma.
O rumor do mar
corrói meus ossos
d lança à praia
puros sobrossos.
O mar invade
as dunas
da ampulheta
e minha tulha
de entulhos
de memórias.
O mar, o mar
invade tudo,
toda a minha seiva.
E faz da palavra
sangue sem eiva.