Poemas de Dennis O’Driscoll

Leia os poemas traduzidos "O pai", "Blues da classe média", "3 da manhã", "Lar" e "Pelo tempo que durar"
Ilustração: Fabiano Vianna
01/12/2023

The father

after William Carlos Williams

So much depends
upon the familiar sound
of his red car

coming at night
around the final bend
toward home

scattering white chickens
and shattering glazed puddles
of rain

O pai

depois de William Carlos Williams

Tanta coisa depende
do som familiar
do seu carro vermelho

chegando à noite
fazendo a última curva
para casa

espantando galinhas brancas
pisando em poças vitrificadas
de chuva

Middle-Class Blues

He has everything.
A beautiful young wife.
A comfortable home.
A secure job.
A velvet three-piece suite.
A metallic-silver car.
A mahogany cocktail cabinet.
A rugby trophy.
A remote-controlled music centre.
A set of golf clubs under the hallstand.
A fair-haired daughter learning to walk.

What he is afraid of most
and what keeps him tossing some nights
on the electric underblanket,
listening to the antique clock
clicking with disapproval from the landing,
are the stories that begin:

He had everything.
A beautiful young wife.
A comfortable home.
A secure job.
Then one day.

Blues da classe média

Ele tem tudo.
Uma jovem e linda mulher.
Uma bela casa.
Um bom emprego.
Um sofá de aveludado de três peças.
Um carro cor prata metálico.
Um armário de mogno para bebidas.
Um troféu de rúgbi.
Um home theater com controle remoto.
Um conjunto de tacos de golfe sob a escada.
Uma filhinha loura aprendendo a andar.

O que mais o apavora
que o faz ficar à noite se revirando na cama
no cobertor elétrico,
ouvindo o relógio antigo
batendo criticamente lá da sala,
são as histórias que começam assim:

Ele tinha tudo
Uma jovem e linda mulher.
Uma bela casa.
Um bom emprego.
E então, um dia.

Ilustração: Fabiano Vianna

3 AM

I’ll give him a minute longer
before I break the news.
Another minute of innocence and rest.
He is in the thicket of dreams
he will still be struggling with
as he stirs himself to take my call
wondering who in Christ’s name
this could be.
One more minute, then,
to let him sleep through what
he’s just about to wake to.

3 da manhã

Darei a ele mais um minuto
antes de dar a notícia.
Mais um minuto de inocência e descanso.
Ele está no emaranhado dos sonhos
com os quais ainda estará lutando
quando se agitar para atender minha ligação
imaginando quem, pelo amor de Deus,
poderia estar ligando.
Mais um minuto, assim,
deixando-o dormir ignorando
o que o espera ao acordar.

Home

when all is said and done
what counts is having someone
you can phone at five to ask

for the immersion heater
to be switched to “bath”
and the pizza taken from the deepfreeze

Lar

No fim das contas
o que importa é ter alguém para quem
você possa ligar às cinco da tarde e pedir

para ligar o aquecedor
no modo “banho” e para
tirar a pizza do freezer.

While Stocks Last

As long as a blackbird
still mounts the podium
of the aspen tree, making
an impassionate plea for song.

As long as blue tits, painted
like endangered tribesmen,
survive in their rain-forest
of soaking larch.

As long as the trilling lasts
above the office car park
and hands tingle to inscribe
in the margins of buff files,

“The skywriting of a bird
is more permanent than ink”
or “The robin’s eagle eye
questions these projections.”

Pelo tempo que durar

Enquanto um melro
permanecer num palco no alto
do álamo, ardentemente
argumentando em defesa da música.

Enquanto as saíras, pintadas
como indígenas ameaçados,
sobreviverem em suas úmidas
árvores da floresta tropical.

Enquanto durar o trinado
sobre o estacionamento do escritório
e as mãos formigarem, escrevendo
nas margens de pastas amareladas,

“A caligrafia traçada por um pássaro no céu
é mais forte que tinta”
ou “O olhar preciso do pardal
colocam em dúvida tais conclusões.”

Dennis O’Driscoll
O irlandês Dennis O’Driscoll (1954-2012), poeta, ensaísta, crítico e editor, é considerado um dos principais poetas europeus de sua geração. Sua marca registrada eram os poemas sutilmente ácidos sobre as banalidades do dia a dia, da classe média, da burguesia.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho