Poemas de Wladimir Saldanha

Leia os poemas "Curitiba", "O pássaro de louça" e "Oráculo"
Wladimir Saldanha, autor de “Arte nova”
01/06/2022

Curitiba

Dispensa essas velhas estampas
recortadas de uma revista:
Petrópolis, Paris. Os pampas,
Paulista.

Quero antes a simetria
dos teus quarteirões sem barroco.
Poucas curvas. Teu mais-seria,
teu pouco

sobrando nas pedras da XV,
no muito do céu de teus parques.
Não falta mar. Faltara fuligem
e charques?

A vida é um ajardinado
sobre os despojos de um rio:
perfeito, ó bela! Só cuidado
com o vazio

que os arquitetos cultivam
em tua possibilidade.
Atenta pro Olho no ar,
cidade.

Já no caminho de Morretes
brincavas de abismo também.
(Domada Iguaçu nos dormentes
do trem.)

A vida, o ajardinado,
eles pensam que o sonhamos.
Mais um café lá no Mercado;
já vamos

ser de novo o que te preliba
na viagem a planejar:
Curitiba! E Curitiba
ao voltar —

saudade menina que lembra
um velho exercício de crase:
venho e vou. Jamais se desmembra
teu quase.

O pássaro de louça

Veio cantar nas minhas coisas
Um belo pássaro de louça
Devolvido com as roupas.
Seu canto de muda alegria
Não gorjeia rancores;
Sua crista eriçada
Parece mais à vontade;
Seu bico de quase riso
Sabe que toda injúria
É ave de voo baixo.
E ele, que foi um
Presente de aniversário,
Cumpre o fado de oferta
Com o mesmo peito enfunado.
Vou pô-lo na cozinha
Com louças menos aéreas
Para esquecer o aparador
Onde nunca foi pousado.
E para que veja o fogo
Do fogão e até o frio
Da geladeira aberta:
Ambos de aceita oferta
Como à louça fez o barro.

Oráculo

para Claudio Sousa Pereira

No sonho teima
se o dia avança:
dizem toleima,
dize esperança.

Por abandono
tal caridade
tomam… — no sonho
teima até tarde!

Manhã de ontem
virá — sê forte:
pois que já é

(mesmo não contem);
dirão — “Foi sorte!” —
mas, não: foi fé.

Wladimir Saldanha

Nasceu em Salvador (BA) em 1977. Publicou, em poesia, Culpe o vento (2014), Lume cardume chama (2014), Cacau inventado (2015), Natal de Herodes (2017) e Arte nova (2021). Organizou e traduziu para o francês a antologia Poesia brasileira em contracorrente (2018), bem como a primeira antologia de poesia belga publicada no Brasil, A tentação das nuvens (2021). Os poemas aqui publicados são do livro inédito Aos que se perdem com as chaves.

Rascunho