Poemas de Tim Dlugos

Leia os poemas traduzidos "Semana", "De JB para KW", "Bilhete para Michael", "Canção dos sonhos", "Sob o céu", "Surf Music, chá com mel"
Tim Dlugos, poeta americano
02/11/2020

Week

No
copy, copy
deadlines long past

all that I’ve been
doing’s, being
in love with a boy

Semana

Não
revisa, revisa
prazos há muito esgotados

tudo o que tenho
feito, é estar
amando um garoto

…..

To JB from KW

when I speak slowly, clearly,
the tiny birds that haunt the edge of the sky
are pelicans and distant
whose own self-image might be worse by far
than ours: the big beaks
a prehistoric grace
they skim the edge of water with their mouths
and small fish are entrapped, with no
particular emotion

or might be a lot better,
who can say? but when I hear
you speak, I listen
and it’s as though a bridge
were suddenly erected
across the impassable Gulf

De JB para KW

quando eu falo devagar, claramente,
os passarinhos que infestam as extremidades do céu
são pelicanos e distantes
cuja autoimagem pode ser bem pior
do que a nossa: os grandes bicos
uma elegância pré-histórica
raspam com as bocas a superfície da água
e peixinhos são apanhados, sem qualquer
emoção em particular

ou poderia ser bem melhor,
quem vai saber? mas quando eu te escuto
falar, eu ouço
e é como se uma ponte
fosse subitamente erigida
sobre o intransponível Golfo.

…..

Note to Michael

strange to see the river through the window
that lets the colors in behind me it’s real light
as opposed to artificial it’s real life
I’m in the middle of, I hope where you are
is just as real (I also hope) and
what we feel between us is a filament that bears
its own energy, glowing in ways too subtle
or too fast for the eye to pick up, a precious alloy
that puts us in the same place “on one level”:
the level of the river and the light

Bilhete para Michael

estranho ver o rio que através da janela
deixa as cores atrás de mim é a luz real,
oposta à falsa é a vida real
da qual estou no meio, espero onde você está
é tão real quanto (eu também espero) e
o que sentimos entre nós é um filamento que tem
sua própria energia, brilhando de maneiras sutis
ou rápidas demais para que o olho acompanhe, uma preciosa liga
que nos situa no mesmo lugar, “no mesmo patamar”:
o patamar do rio e da luz.

…..

Song from dreams

department store manikins wear ritual garb
DUCHAMP spelt in gold above revolving door
night sea perfectly reflects night sky
murdering our concept of horizon

we live among Indians in Mexican hills
no hallucination! (purple haze first time)
Western beach: one unbelievable wave
the light escapes like priceless information

Canção dos sonhos

manequins de lojas de departamentos com roupas rituais
DUCHAMP grafado em ouro sobre a porta giratória
o mar noturno reflete perfeitamente o céu noturno
assassinando nosso conceito de horizonte

vivemos com os índios nas montanhas mexicanas
e nenhuma alucinação! (primeira vez de purple haze )
Praia do Oeste: que inacreditável onda,
e a luz escapa como uma preciosa informação

…..

Under the sky

We were supposed to
have gone to the mountains
but I stayed asleep
and it was too late

to leave by the time
I woke up and called you.
It started to rain.
All of our plans went

out the window, into
the trees with their tiny leaves
and the parking lot.
I watched a movie

and fell asleep with
a headache which hung on
when I reawoke.
It was too late

to call and explain
so I walked to my car
and drove through the rain
to your building. The moon

was perfectly
full. The sky
was perfectly
clear.

Sob o céu

Era pra termos ido
para as montanhas
mas eu dormi demais
e ficou muito tarde

para sair na hora em que
eu acordei e te liguei.
Começou a chover.
Todos os nossos planos voaram

pela janela, em direção
às árvores, às suas folhas
e ao estacionamento.
Eu assisti a um filme

e caí no sono, com
uma dor de cabeça que não me deixou
quando eu voltei a acordar.
Ficou muito tarde

para te ligar e explicar
então eu fui até o carro
e dirigi através da chuva
para o seu prédio. A lua

perfeitamente
cheia. O céu,
perfeitamente
claro.

…..

Surf Music, tea with honey

in the pickle-light of a January morning.
And talking: questions bring out that
ours is Canadian, rather than Chinese tea.
We remember Tony the Augurer,
casting chicken bones, reading Tarot.
One night, stoned, in his fourth-floor walkup,
we asked his Ouija, Spirit, Are You Mad?
Ouija answered You Eat Garbage.
We laugh — Tony crossed our conversation
on his way to Chicago, a thousand miles away —
and drink sweet heavy tea from ivory mugs.
Hot gold burns the white film
off the city, off the wet green tea leaves.

Surf Music, chá com mel

na luz âmbar da manhã de janeiro.
E conversando: conferindo descobrimos que
o chá que tomamos é canadense, não chinês.
Nos lembramos de Tony, o Adivinho,
jogando com ossos de galinha, lendo tarô.
Uma noite, chapados em seu apartamento sem elevador do 4º andar,
nós perguntamos ao seu tabuleiro Ouija, Espírito, Você Está Bravo?
E Ouija respondeu Você Come Lixo.
Nós rimos — Tony atravessou nossa conversa
em sua viagem a Chicago, a mil milhas daqui —
e bebemos o chá doce em canecas de marfim.
O ouro quente incendeia o claro filme da
cidade, das folhas molhadas de chá verde.

…..

After a line by Ted Berrigan

I want Pepsi for breakfast
every day. Every time I look
out the window I want to see
Sheridan Square. The lights
have to be just right.

I want to look as good as
Carrol (Jim), and write as good as
Berrigan (Ted). I want to seem
gentle and wear leather clothes.
The things you might suppose

I want, I probably don’t:
for instance, dope. I can be
totally carried away by a face
in the city, a line in a poem:
the moment at my parents’ home,

for instance, when I saw that
phrase again and sat up, straight.
“I have been in bed,” I said, “in
my lover’s underwear long enough!
I want to be feminine, marvelous, and tough!”

Após uma linha de Ted Berrigan

Eu quero uma Pepsi de café da manhã
todos os dias. Toda vez que olho
pra fora da janela eu gosto de ver
a Sheridan Square . As luzes
precisam estar do jeito certo.

Eu quero ser tão bonito quanto
Carrol (Jim) e escrever tão bem quanto
Berrigan (Ted). Eu quero ser
delicado usando roupas de couro.
As coisas que você imaginaria

que desejo, eu provavelmente não quero:
por exemplo, drogas. Posso ser
completamente seduzido por um rosto
na cidade, por uma linha em um poema:
o momento na casa dos meus pais,

por exemplo, quando eu vi aquela
frase novamente, e me sentei, ereto.
“Eu fiquei na cama,” eu disse “com as
roupas íntimas de meu namorado por um tempão!
Eu quero ser feminino, maravilhoso e forte!”

…..

The truth

Every time I use
my language, I tell
the truth. A cat
in a white collar,
like a priest with calico
fur, walks across the dead
grass of the yard, and out
through the white fence. The sun’s
strong, but the colors of the lawn
were washed out by the winter, not the light.
February. Stained glass window of the house
next door takes the sun’s full brunt.
It must look spectacular
to the neighbor in my head,
a white-haired woman with an air
of dignity and grace, who
through pools of the intensest
colors climbs the flight of stairs.
I’ve never seen it,
but I know it’s there.

A verdade

Toda vez que eu uso
meu idioma, eu conto
a verdade. Um gato
com coleira branca,
como um padre com sua estola,
caminha sobre a grama
morta do jardim, e vai
para fora atravessando a cerca branca. É forte
o sol, mas as cores do quintal
foram apagadas pelo inverno, não pela luz.
Fevereiro. A janela com vitrais da casa
ao lado absorve todo o sol.
Deve parecer sensacional
para a vizinha que tenho em mente,
uma senhora de cabelos brancos com um ar
de dignidade e elegância, que
através de piscinas das mais intensas
cores, sobe o lance de escadas.
Eu nunca vi,
mas sei que está lá.

Tim Dlugos
(1950-1990), morto precocemente aos 40 anos, é às vezes chamado de “o Frank O’Hara de sua geração”. Dlugos escrevia uma poesia inspirada pelo que via nas ruas de Nova York, na cultura pop, além de abertamente gay, sempre se equilibrando entre lirismo, ironia e amargura (esta, especialmente depois do diagnóstico da aids, que acabaria por matá-lo).
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho