Impressões da sangria
I
As galinhas dão as costas disfarçando
a futura imolada — quieta —
o pescoço depenado e oferecido
pulsa
pulsa
até escorrer
tigela abaixo
Estremece
asas ainda presas
depois livres
no galinheiro em paz
II
O homem ameaça um carinho
ao apanhar a faca.
A mão se fecha
sobre o pescoço à mostra.
Uma certa paixão envolve o pátio
na hora de cortar
a jugular.
No almoço
nem lembrança
da bichinha
que era branca.
Cena
O ENTARDECER entre vinhos e crise
alimenta estes homens
que jogam xadrez
no fundo da adega
e ignoram ainda
o caminho empoeirado da avenida.
Lucidez somente
quando a noite fecha
seu zíper de metal
sobre essas coisas
E ficam,
abandonados no bar:
os copos, seus bigodes,
uma gota de uva
sobre ódios perenes
Bilhete
Meus olhos não expressam teu abismo
Têm um brilho
e não se chama afinidade
Olho-te como quem
vê um gafanhoto enorme
a se abrigar
no para-brisa do carro
um homem elegante e de olhos verdes
com barba ideal para noites de inverno
nesse frio de cristal
onde o bicho repousa
Inclino-me
e evito acelerar
para que ele não voe
e pouse
suas pernas finas
suas breves mãos
nesse meu corpo
num lugar onde o vento
faça a curva