Poemas de Susana Fuentes

Leia dois poemas sem titulo da autora de "Cartas ao sol"
Susana Fuentes, autora de “Carta ao sol”
01/07/2021

rasgar o poema
a pele
a delicadeza
é minha natureza de bicho
eu bicho que cheira corre
e rasga aranha
arranha risca
afasta
o gato que dá um tapa com garras
tanta força na patinha

um peso, um chão
entre os dedos
terra
aterrar a delicadeza
rasga a boca
a pele
deixar os ossos
que se batam
desengonçada
sem domar o gesto
sem domar a fúria
não deixo mais
gesto alto e grave e fundo
até os seus ossos gelarem
frios ossos os meus
trepidar terra pedra e grito
tatuar a pele
soltar a
a voz
e se deixar cair
de bruta

mas como romper a delicadeza
quando nessa manhã dancei no chão
e lembrei do eu bicho
essa fera que não está pra sorriso
nem pra ouvir muito
ela olha atenta
e não se abre
não é toda ouvidos
nem toda espanto
é uma escuta seletiva
pra sobrevivência

soltar a voz
no voo
se deixar cair
vibro hoje sem delicado gesto
forte rápida a patinha do gato que puf dá soco porque
não é força é energia
é um raio de concentração
um raio de gato vida
um gato que se sabe raio
um gato que se sabe gato
não vai querer nada com alguém que não lhe diga
amor
amigo sossego bicho fúria
não vou responder aos teus olhos
fecho ouvidos e espanto pro mundo
para eu ser eu
sem delicadeza sem
isso que perde
a minha vida

vaga-lumes atravessam a noite
el oxígeno
atravessa a noite
litros y litros
faros de camión
faróis
luzes na noite
caminhões gordos de ar
inflam pulmões
vidas
en la noche de
vaga
lumes
las luciérnagas

mira
cómo emiten
luz
en la carretera
no se apagan

luz na noite
outros aires
quando o ar daqui
já está pesado demais
quando a terra não é mais casa
e o pulmão não é mais casa
oxígeno, sí, vivir
y todas las vidas
viven

e quando já não se pode viver
pero sí, se puede
vivir

quando ar
não há
que venha
el aire

Susana Fuentes

É autora de Escola de gigantes (2005), Luzia (2011), finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2012, Anotações de Berlim (2016) e Carta ao sol (2020). Escreveu a peça Prelúdios, em quatro caixas de lembranças e uma canção de amor desfeito, e Olavo, le chat (2016). Seu novo livro de poesia, A gaivota ou a vida em torno do lago [tema para uma peça curta], acaba de ser publicado.

Rascunho