Poemas de Sinéad Morrissey

Leia os poemas traduzidos "Aula de inglês", "O malabarista", "O construtor do forte", "Para incentivar o estudo de Kanji" e "Trecho de China (7)"
Sinéad Morrissey, poetisa da Irlanda do Norte
01/12/2022

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

English lesson

Today I taught the Germans about Northern Ireland.
High on their interest, I paraded as a gunman
On the Falls Road. Death holds the attention—
BANG! blew them off their seats and I got away scot free.

“A fiddler in a death-camp”—
Beyond the lot of it.

The only honesty is silence. 

Aula de inglês

Hoje dei uma aula sobre a Irlanda do Norte para alemães.
Animada com o interesse deles, imitei um atirador
Na Falls Road[1]. A morte prende a atenção —
O BANG! ergueu-os de seus assentos e eu fugi impune.

“Um violinista no campo de extermínio” —
Além daquele quinhão.

A única honestidade é o silêncio.

The Juggler

He must have practiced for hours
Between the bins and the mattresses
Of a rented back yard
To dance the seven painted skittles
Off his fingers like that.
He was the game whittled

To art. God knows what
Anachronism he took up before,
Using medieval skills to stop
Time: he puts the clock back
Nine hundred years
With his side-show for a quack

Of diversion for a king.
Still, or because of the drain
Of things modern, we ring
Him with faces. He knows
How we anticipate failure
And that what he owes

His audience is a defiance
Of breakdown. We watch as his magic
Creates the radiance
Of a spinning blue arc, brought
Slowly to standstill. Natural begrudgers,
We are nevertheless caught

By the weightlessness, the controlled
Mechanics of air

With all the improbables cajoled
Into truth, we are not as far out
From faith as we were.

O malabarista

Ele deve ter praticado por horas
Entre caixotes e colchões
De um quintal alugado
Para fazer dançar os sete pinos coloridos de boliche
Com seus dedos, como fez.
Ele é talhado para o jogo
da arte. Sabe Deus
Que anacronismos ele ingeriu, antes,
Usando medievais habilidades para fazer
Cessar o tempo, atrasando o relógio
Novecentos anos
Com seu show à parte, para um charlatão

Ou para distrair um rei.
E ainda, ou por causa do sorvedouro
Das coisas modernas, nós o cercamos
Com olhares. Ele sabe
O quanto antevemos as falhas
E o que ele deve,

À sua audiência, é desafiar
O colapso. Nós o observamos enquanto sua magia
Cria o esplendor
De uma arca azul que gira, e que vai
Lentamente parando. Naturalmente invejosos,
Somos ainda assim capturados

Pela leve e precisa
Mecânica aérea.

Com todas as aduladas improbabilidades,
Rumo à verdade, pois não estamos assim tão distantes,
Da fé, quanto antes estávamos.

The fort-maker

It was too late for invasion
By the time he’d sent his hungry eye on the hill
Above the town, and thought of the view.
War was not the reason
For the three years’ haulage—
It was sheer love.

And because his need
Was a beginning and an end to all things,
His house became a circle of windows—
Catching ruins and birds
And the blank faces of the sea
In a stilled frame, everywhere he looked.

O construtor do forte

Já era tarde demais para invadir
Quando ele lançou seu olhar faminto para a colina
Sobre a cidade, e pensou na vista.
A guerra não fora a causa
Para a carga levada por três anos —
E sim o mais puro amor.

E porque o que ele precisava
Era de um começo e de um fim para todas as coisas,
Sua casa se transformou num círculo de janelas —
Capturando ruínas, pássaros
E as faces inexpressivas do mar
Numa estática moldura, para onde quer que olhasse.

To encourage the study of Kanji

I’ve been inside these letters it seems for years, I’ve drawn them
on paper, palms, steamed mirrors and the side of my face
in my sleep, I’ve waded in sliced lines and crossed boxes.

They stay, stars in the new-moon sky,
as dead as the names of untraceable constellations.
Intricate, aloof, lone, abstracted,

some other mind made them and still since then
they’ve shrunk to a hint at a fairytale. Say I thread beads.
Say I remember a sky of walking pictures.

Para incentivar o estudo de Kanji

Estou mergulhada nessas letras parece que há anos, eu as desenhei
no papel, na palma das mãos, em espelhos embaçados e nas minhas bochechas
dormindo, eu vadiei por linhas e formulários.

Elas ficam, estrelas do céu de lua nova,
tão mortas quanto os nomes de constelações não rastreáveis.
Intrincadas, distantes, solitárias, absortas,

pois alguma outra mente as criou e, desde então,
encolheram como uma alusão num conto de fadas. Digamos que eu teça
colares com miçangas.
Digamos que me lembre de um céu de desenhos que caminham.

From China (7)

I find I have made a ghost
of you—I’m sorry—as I
aimed my camera foolishly
at the passing coloratura
of mountains and fields,
and snapped them anyway,
knowing I’d never get them back
the way they were being given,
at that precise instant, and caught them,
yes alright, adequately enough, but somehow
also caught your watchful face
filling the window without
its source. Confucius refuses
to speak about spirits. Till you know
about the living, how are you
to know about the dead? he pronounces
to the ever-curious Tzu-lu.
And I wonder, if I can make ghosts
of the living with my dinky, digital
machine, is it possible I can also
make the dead visible? And I set my camera
more deliberately now on the vast, peopleless
expanse, the check its screen
to see if I’ve got anything
in its wide-eyed little net.
I don’t know what I expected—
one or two of the million Yangtze
drowned, perhaps, still draining their ears
by banging the sides of their heads, or looking after
the vanishing tumult of the train
for direction home?

Trecho de China (7)

Percebo que fiz de você
um fantasma — me perdoe — pois
irresponsavelmente apontei minha câmera
para a coloratura de montanhas
e campos, que passava
e os cliquei de qualquer maneira,
sabendo que jamais os teria de volta
da maneira como se apresentavam
naquele exato momento, e os capturei,
sim, é certo, de modo suficientemente adequado, mas
de alguma maneira também capturei sua face atenta
a preencher toda a janela sem mostrar
sua origem. Confúcio se recusava
a falar de espíritos. Até que aprenda
sobre os vivos, o que poderá saber, você,
dos mortos? ele explicou ao sempre curioso Tzu-lu.
E fico imaginando, se posso criar fantasmas
a partir dos vivos, com minha pequena máquina
digital, será que eu também poderia
tornar visíveis os mortos? E aponto minha câmera
agora, mais deliberadamente, na direção da imensidão
vazia, e então confiro a tela
para ver se capturei alguma coisa
em sua pequena tela de grandes olhos.
Não sei bem o que esperava encontrar —
um ou dois dentre os milhões de afogados
no Yangtzé, talvez dando tapas nas cabeças
para tirar água das orelhas, ou em busca
do desvanecente tumulto de um comboio
para descobrir o caminho de casa?

Notas

[1] A Falls Road é uma das vias mais importantes de Belfast, na Irlanda do Norte. Em 1970, ocorreram lá confrontos armados entre católicos nacionalistas e tropas britânicas. O evento ficou conhecido como “The Troubles.”

Sinéad Morrissey
Uma das vozes mais originais da nova poesia irlandesa, Sinéad Morrissey nasceu em Portadown, na Irlanda do Norte, em 1972. Digna herdeira da tradição literária daquele pequeno país que nos deu, entre outros, figuras como Oscar Wilde, James Joyce e Samuel Beckett, ela escreve uma poesia ao mesmo tempo intimista e cosmopolita.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho