Bruma
Repousa o incêndio
da tua mão
neste lugar
de onde outrora
escapou meu primeiro sangue
com dor e um grito.
Repõe o lírio e o lume
na turva coroa de estrelas
cravada em minha testa.
Pássaro de doçura e sândalo.
Ó tu
gestada na espuma
quando alguma coisa salina
já me sonhava.
Como inclinar minha sede
para beber teu coração
em uma taça sagrada?
Ó ave de quartzo
queimando na extremidade azul
do finito dia.
Tu vieste.
Agora meus cantares são de ninho
e o caminho é todo árvores.
Teu cheiro úmido de raiz.
Sombra mordida
pelo sol da manhã.
…
Infância
Cães bocejavam
na minha solidão
Mãe embriagada
fervia água para
ferir o pai
Eu desligava o fogo
Ela tornava a acender
Tão triste ter de me equilibrar
entre duas dores
a dela, de mulher traída
a dele, que eu pressentia
com cheiro de couro queimado e tudo mais
Eu desligava o fogo
Tão triste
O bocejo dos cães no meio dia das panelas vazias
e a morte dentro do olho de cada um
Esperar com fé pelo arrebentar de luzes
do fim da tarde
entre eucaliptos
e o cheiro das mamoneiras que eu
macerava pra sentir o sumo
Como se cheiro de tempero fosse
Juba era o nome
do nosso coelho
que virou jantar
vocês se lembram?
A carne ensopada do Juba
que eu vomitei no chão da sala
Eu desligava o fogo
da panela de sopa
mas o coelho já havia morrido
nossa carência de proteínas, não
Esperar com fé
o dia em que tudo ficaria bem
Eu desligando o fogo desligando o fogo
desligando para sempre o fogo
Meu coração triste de uma ternura inata
e do equilíbrio entre as dores todas, de todos eles
e o sol
explodindo entre os eucaliptos
com cheiro e tudo o mais
Como se tempero fosse
Como se cheiro de tempero fosse