Poemas de Sérgio Fantini

Leia os poemas "sem título"
Autor de Materiaes, autor de “Materiaes”
01/04/2002

os que
Fazem churrasco na casa das namoradas aos domingos
Não ficam amarrotados de madrugada
Transam aos 16
Nunca tiveram conflitos em família
Não ficam bêbados com facilidade
Sempre foram bons em matemática física química biologia
e português
Preocupam-se em fazer a barba e manter o corte de cabelo
Conseguem falar em público sem titubear
Permanecem no mesmo emprego por mais de 3 anos
Têm amantes sem que ninguém perceba
São bons de garfo
São bons de cama
São bons companheiros filhos maridos e pais
Não foram enganados no troca-troca
Nem conheceram quem tivesse levado porrada

no primeiro dia de carnaval
meu irmão mais novo
o caçulinha lá de casa
se vestiu de mulher
e era clotilde

no segundo dia
pôs um sutiã
caiu na farra de florisbela

aí o pessoal ficou gozando ele

no terceiro
foi pro quarto
misturou formicida
com chá de picão

tomou
morreu

(decisão perigosa)

tomou coragem
(quase um litro)
e abriu a boca
num sorriso

(mãe da periferia)

no tanque
lava a cueca
do filho punk

o pior da morte
não é o morto

são os outros

(ramos & rameiras)

todos os anos
o padre proíbe
a presença de prostitutas
na procissão de ramos

isso inibe as rameiras
que todos os anos
ficam de bobeira
no domingo de ramos

os fiéis
orando
e se agarrando ao ramo
com isso não se afligem
pois
afinal
procissão é um ato humano
e não se admite no cristal
qualquer sombra de fuligem
ou
no metal
a corrosão da ferrugem

(cio pátrio)

meio tímido
meio túmido
a meio pau

os que
Pagam aluguel mas se sentem proprietários
Completam bodas de qualquer coisa
Terminam uma pelada sem brigar com o goleiro
Fazem palavras cruzadas indiretas
Serviram no exército e contam casos de caserna
Passaram por um namoro longo sem aborto
Passaram sem recuperação
Fumam maconha com suas esposas
Têm amigos na vizinhança no trabalho na escola e de
infância
Não precisam de amigos
Fizeram festa de formatura
Escrevem cartas em papel de carta
Não dependem da família
Não pertencem a ninguém
São arrimo de família

(depoimento)

Não sou santo
nem tenho queda pra anjo.
Meu forte não é bondade.
Não sou simpático
nem faço questão.
Não tenho inimigos
mas não será por medo
que vou deixar passar.
Sou sincero
como a lua que nunca é igual
mas sempre é a mesma.

Amaciar as palavras
fantasiando-as com a seda da covardia?

Serei pornográfico
se não puder ser pornográfico.
Ser gentil é puxar saco com classe e eu
não tenho classe, charme nem educação.

Pássaro que obra em pleno vôo
sei lá que rumo a merda vai tomar.

Sérgio Fantini

É poeta e contista. Autor de Materiaes (contos), entre outros. Os poemas aqui publicados fazem parte do livro Coleta Seletiva, a ser publicado em breve pela Ciência do Acidente.

Rascunho