Poemas de Seamus Deane

Leia os poemas traduzidos "Queda de energia", "Derry ", "Raízes", "Guerras graduais", "Guerilheiros" e "Voltando do exílio"
Seamus Deane, poeta irlandês
01/05/2021

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

Power cut

Any dogsbody can sit up all night
And work in a cube of electric light
With only a little spilt ink of shadow
Under the hands and feet. This is a slight
On creativity, the whiter-than-white
Hope to be in there with the black
Shadow-boxers of the past. It’s too neat,
Too easy, and it can’t be right.

But in candlelight, a high devil looms
On my shoulder and my hand locks on the white
Fire circle. He is so real I can smell
His bad breath of the old rooms
Where the exorcist abandoned him,
The cinemas, jukeboxes and bars
Of a dark city kicked in by winter.
Medusa-light, with yellow wing of flame,

And waxy, serpent head, you are the bright
Petrifier of this darkness, the white lady
Of these locked shadows, the diamond
In the coal-black night, and in you,
As in a lover, I recapture the slight
Moonbeams in the linens of long ago,
The afternoon moiling in the keyhole;
In you, petrified, I recapture night.

Queda de energia

Qualquer vagabundo pode ficar a noite inteira
Trabalhando num canto sob luz elétrica
Apenas uma pequena sombra escorrendo
Sob os pés e as mãos. Isso pouco ajuda
A criatividade, a branca e mais que branca
Esperança de estar ali, com os sombrios
Inimigos imaginários do passado. É muito estéril,
Muito simples, não pode estar certo.

Mas sob uma lamparina, um demônio paira
Sobre meu ombro, e minha mão fica presa a um círculo
De fogo branco. Ele é tão real que posso sentir
Seu hálito ruim das velhas salas
Onde o exorcista o largou,
Os cinemas, jukeboxes e bares
De uma cidade escura que o inverno chutou.
Luz de Medusa, asas de chama amarela,

E brilhante cabeça de serpente, você é
A assombração dessa treva, a dama branca
Destas sombras presas, o diamante
Na noite negra como o carvão, e em você,
Como numa amante, eu recapturo a delicada
Luz do luar nos lençóis de muito tempo atrás,
A tarde mourejando pelo buraco da fechadura;
Em você, petrificado, eu recapturo a noite.

…..

Derry

The unemployment in our bones
Erupting on our hands in stones;

The thought of violence a relief,
The act of violence a grief;

Our bitterness and love
Hand in glove.

Derry

O desemprego em nossos ossos
Irrompendo em nossas mãos como seixos;

A ideia de violência um alento
O ato de violência um lamento;

Nossa amargura e paixão
Juntas em comunhão.

…..

Roots

Younger,
I felt the dead
Drag at my feet
Like roots
And at every step
I heard them
Crying
Stop.

Older,
I heard the roots
Snap. The crying
Stopped. Ever since
I have been
Dying
Slowly
From the top.

Raízes

Jovem,
Eu sentia os mortos
A segurar meus pés
Como raízes
E a cada passo
Eu os ouvia
Gritando
Pare.

Velho,
Eu ouço as raízes
Estalarem. A gritaria
Cessou. Desde então
Tenho morrido
Aos poucos
Desde o alto.

…..

Gradual wars

The frost is stirring, it
Whitens slow and sudden
On the grass. Darkness
Is pierced by it, it
Has the blind focus
Of a nail shuddering
In the quiet wood
Which is going to
Split as pipes
Choked in ice do;
And whatever shatters
In this cold
Shatters slow and sudden,
Like a writhe of frost.
In stars,
This is the language
That bespeaks
Gradual wars.

Guerras graduais

A geada se move, e vai
Deixando branca, aos poucos e sem aviso
A relva. A escuridão
É por ela penetrada, que
Tem a visão cega como a
De um prego tremendo
Na madeira inerte
Prestes a se partir
Como acontece com os canos
Engasgados com o gelo;
E o que quer que se despedace
Nesse frio
Se despedaça aos poucos e sem aviso,
Como um rodopiar de gelo
Nas estrelas.
Esta é a língua
Que pressagia
As guerras graduais.

…..

Guerillas

When the Portuguese came in
From manoeuvres in the North
Atlantic, they brought a scent
Of oranges and dark tobacco
To our Arctic streets. Norwegians,
However, were tall and cold,
Drinkers of cheap wine
That blued their eyes more
Than was good for anyone
Who bothered them. Some women
Became sailor’s dolls and others
Disapproved. We smelt corruption
In the hot grease of liquor
And foreign language that spat
Around us in The Moonlight Club;
Some pleasures writhed there
And some fear. A fight occurred
And then came the Military
Police who hammered silence out
With night sticks, wall to wall.
And then we’d steal the drinks
Left on the tables they had pushed
Aside to clear the floor.
The whiskey was watered, we could tell.
A medical treacle had been served
As rum. But that was business.
Pollution entered everything and made it
Fierce. Real life was so impure
We savoured its poisons as forbidden
Fruit and, desolate with knowledge,
Grew beyond redemption. Teachers
Washed their hands of us.
Innocent of any specific crime,
We were beaten for a general guilt,
Regular as clockwork. We watched
And questioned nothing. There would be a time
When the foreign sailors would be gone.
Business would still be business.
Whiskey would still be watered,
Some girls would still be dolls;
The Arctic would have inched nearer,
Pollution have gone deeper
And life, entirely domestic, would carry on.

Guerilheiros

Quando os portugueses chegaram
Após manobras no Atlântico
Norte, trouxeram um odor
De laranjas e tabaco escuro
Para nossas ruas árticas. Os noruegueses,
Porém, eram altos e frios,
Bebedores de vinho barato
Que azulavam seus olhos mais
Do que seria bom para qualquer um
Que os incomodasse. Algumas mulheres
Viraram as bonecas dos marinheiros e outras
Desaprovaram. Nós farejamos corrupção
Na gordura pegajosa da bebida
E da língua estrangeira que eram cuspidas
À nossa volta no The Moonlight Club;
Havia prazer se contorcendo por ali
E havia medo. Rolou uma briga
E então chegou a Polícia
Militar, que restaurou a ordem
Com golpes de cassetete, de canto a canto.
E então nós roubamos as bebidas
Deixadas nas mesas que eles arrastaram
Para o lado para abrir espaço.
O uísque estava aguado, dava pra notar.
Algum xarope médico era vendido
Como se fosse rum. Eram os negócios.
A poluição contaminava e deixava tudo
Violento. A vida real era tão impura
Que saboreávamos seus venenos como se fossem o fruto
Proibido e, desolados pelo conhecimento,
Crescíamos para além da redenção. Professores
Lavavam as mãos quanto a nós.
Inocentes de qualquer crime específico,
Apanhávamos por culpa genérica,
Como um relógio, regularmente. Olhávamos,
Sem questionar. Chegaria o momento
Em que os marinheiros estrangeiros iriam embora.
Negócios continuariam a ser negócios.
O uísque continuaria a ser aguado
Algumas garotas continuariam a ser bonecas;
O Ártico ficaria mais próximo,
A poluição ficou mais densa
E a vida, inteiramente doméstica, seguiria em frente.

…..

Exile’s return

We came off the Ozarks at night,
Dreaming the motels we stayed in,
Skirted the snow and parked
On the edge of the Grand Canyon.

Now it is the tinder of border towns,
Greened ruins, locked headlands,
Cow-quilted fields and scattered squalls
Scouting for winter. Honey thins

Out of the blood. At four o’clock
The rivers are dark. Yet, desert-bright,
Sensation is not removed here
From what it loves. The last oasis

Before civilization, condensed
Out of ocean, malingering far
West of Eden, its truest colour
Nettle-green. Here the heart begins.

Voltando do exílio

Voltamos dos montes Ozark à noite
Sonhando com os motéis em que ficamos,
Contornamos a neve e estacionamos
Nas bordas do Grand Canyon.

E agora as fogueiras das cidades remotas,
Ruínas esverdeadas, promontórios lacrados,
Campos pisados por vacas e tempestades esparsas,
As batedoras do inverno. Um mel diluído

Que vem do sangue. Às quatro horas
Os rios estão negros. Mas há o brilho do deserto,
A sensação não é aqui arrancada,
Daquilo que ama. O derradeiro oásis

Antes da civilização, condensação
Vinda o oceano, falsidade muito a
Oeste do Éden, pois sua verdadeira cor
É o verde-urtiga. Aqui começa o coração.

Seamus Deane
Dentre os grandes nomes da poesia irlandesa de sua geração, como Seamus Heaney, Michael Longley e Eavan Boland, Seamus Deane (1940) talvez seja o menos conhecido fora de seu país. E é, também, o “menos irlandês”, tanto em temática quanto em estilo, declaradamente influenciado que é por poetas de outras línguas e países, como Rilke e W. S. Merwin. Em seus poemas há com frequência uma tensão entre a história, vista de uma perspectiva mais geral, e o indivíduo, em suas experiências rotineiras, amorosas, etc.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho