Poemas de Sara Berkeley

Leia os poemas traduzidos "Na tempestade", "O incêndio de Kincade", "Glaces, Sorbets", "Outono" e "A apanhadora de coragem"
A poeta irlandesa Sara Berkeley
01/10/2023

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

Out in the storm

This storm explodes while it is still dark,
I have no light to watch my flight
From here on up—riding, riding my storm.
She blows the sky aside for me to pass
And from her back the ground looks
Faraway. Rainswept. Black.
A coiled coastline writhes in a swirl of sea,
Lightning spills yellow road across the fields.
She swoops. Riding storms is fun.
She bucks and rears like real horses.
Who is old in her timeless gale?
She blows a tunnel through the years.
Winded words from the doubling trees
As she gallops past. Riding storms is easy!
Gliding on a tide of rain—
Oaks are not afraid of rain.
Time to bring her home, my storm
But reining her is hard.
And long after she has bolted to another sky
Below me waits the road, yellow in the silence
And the oaks that are never afraid.
Driving storms is fun until they crash.

Na tempestade

A tempestade explode e ainda está escuro,
Não tenho luz para acompanhar meu voo
Daqui para o alto — cavalgando, cavalgando minha tempestade.
Ela sopra o céu para os lados me abrindo a passagem
E lá atrás o chão parece
Distante. Varrido pela chuva. Negro.
O litoral enrolado se contorce num rodamoinho de mar,
Relâmpagos cospem estradas amarelas através dos campos.
Ela arrebata. Cavalgar tempestades é divertido.
Ela refuga e empina como os cavalos.
Quem será velho nessa atemporal ventania?
Ela sopra um túnel através dos anos.
Palavras resfolegantes de árvores duplicadas
Enquanto passa a galope. Cavalgar tempestades é fácil!
Planando numa maré de chuva —
Carvalhos não temem a chuva.
É tempo de trazê-la para casa, minha tempestade
Mas controlá-la não é fácil.
E muito depois de ela ter fugido para um outro céu
Abaixo de mim a estrada espera, amarela, no silêncio
E os carvalhos sempre destemidos.
Cavalgar tempestades é divertido até que se choquem.

Kincade fire

How little we know of any hour beyond this hour,
the backdrop to everything is joy,
the backdrop to everything is horror.
Wind shakes the redwood rain free of the trees,
a natural stripping down of the leaves,
a natural catastrophic fanning of the flames.
There is no limit to the elements of art:
lead earth oil straw seeds
etched polished glass paper pins hand wrought
copper gold paint, these are the things
we wrap around ourselves when we are hurt,
the backdrop to everything is love,
the backdrop to everything is fear,
three color sugar lift and photogravure,
everything we’ll ever need is here,
steel plaster wedding dress razor wire,
how little we know of any hour beyond this hour,
the absolution of every forest is fire.

O incêndio de Kincade[1]

Quão pouco sabemos de qualquer tempo além do agora,
o pano de fundo de tudo é alegria,
o pano de fundo de tudo é horror.
O vento sacode a chuva das sequoias,
um natural desfolhamento,
um natural e catastrófico sopro das chamas.
Não existe limites para os elementos da arte:
sementes oleosas palha no solo
alfinetes de vidro polido feitos à mão
tinta dourada acobreada, são essas as coisas
nas quais nos enrolamos quando somos feridos,
o pano de fundo de tudo é amor,
o pano de fundo de tudo é pavor,
elevador doce de três cores e fotogravura,
tudo o que jamais precisaremos está aqui,
aço estuque vestido de noiva arame farpado
quão pouco sabemos de qualquer tempo além do agora
a absolvição das florestas é o fogo.

[1] O incêndio de Kincade Fire foi um catastrófico incêndio florestal ocorrido na Califórnia entre outubro e novembro de 2019. Começou na estrada John Kincade e se espalhou rapidamente, atingindo cidades, com a destruição de centenas de casas e a necessidade de evacuação de milhares de pessoas.

Glaces, Sorbets

Paris was grey this morning
out our tiny bathroom window.

One more book and we’ll need new shelves,
the whole apartment knows it.

How many Fridays? Hundreds and
hundreds of Fridays, but never before

these particular leaves on the silk trees, such a
newborn green; this young sunshine, this wind.

I do not know how long we’ll be married.
They say love hangs on for dear life

hands at the throat
until you cut it down.

Glaces, Sorbets

Paris bem cinzenta hoje cedo
da janelinha de nosso banheiro.

Mais um livro e precisaremos de mais estantes,
o apartamento todo sabe disso.

Quantas sextas-feiras? Centenas e
centenas de sextas, mas nunca antes

estas folhas nas árvores de seda, de um verde tão
assim recém-nascido; esse jovem brilho do sol, esse vento.

Não sei por quanto tempo ficaremos casados.
Dizem que o amor se agarra à própria vida

mãos na garganta
até que você a degole.

Fall
(U.C. Berkeley, 1989)

We sit over Indian bones
and over the silent, sitting up, buried ones.
Bob Hass laughs about Dickinson
and tells us it is
okay to be slow
and confusion
is all part of what is means to be.

I finger the silence
that follows a poem’s end.
It is the sound
of having being there, the hard despair
that follows pain getting words
and after rain you can hear the drops
staying in the trees.

Sometimes the day tumbles early
but coming up from the Mining Circle
the grass yearns down to the figure of a girl
in bronze, green as rain, and such bewilderment
is part of what is meant to be.

Outono
(Universidade Berkeley, Califórnia, 1989)

Sentamos sobre ossos indígenas
e sobre os silenciados, repousando, enterrados.
Bob Hass fala em Dickinson, sorri
e nos explica que é
tudo bem ser lento
que confusão
é tudo parte do que deveria ser.

Eu aponto para o silêncio
que segue o fim de um poema.
É o som
de ter estado ali, o difícil desespero
que segue a dor de pegar as palavras
e depois da chuva pode-se ouvir as gotas
presas nas árvores.

Às vezes a luz do dia termina cedo
mas, vindo dos lados de Mining Circle[1]
a grama anseia pela figura de uma menina
em bronze, verde como a chuva, e essa perplexidade
é parte do que deveria ser.

,,,

The courage gatherer

With the sun too close
a loose wind catches me off guard,
dreams flock to my skirts
and cling there like a litter
I’d steal sleep to feed.
Asked exactly how I feel
I answer from the fields and summer lanes
where I have come
gathering courage.
A wing shadow strobes the lane
from time to time the future sinks
with the black doubt of people leaving me—
but hope comes out in her lovely shimmer,
her hair behind, untied,
fresh on the morning, never fully woken,
never still,
I follow with my arms full
of the songs she leaves,
all of the same brave tune.

A apanhadora de coragem

Com o sol muito perto
um vento forte me surpreende
sonhos migram para minhas saias
agarrando-se a elas como uma ninhada
que do sono eu roubaria para nutrir.
Questionada como exatamente me sentia
respondo desde os campos e das alamedas de verão
para onde vim
apanhar coragem.
Uma sombra de asa ilumina a pista
de vez em quando o futuro afunda
com a dúvida negra das pessoas me deixando —
mas a esperança aparece com seu lindo brilho,
os cabelos para trás, soltos,
com a frescura da manhã, nunca bem desperta,
nunca em repouso,
acompanho com meus braços carregados
das canções que ela deixa,
todas na mesma corajosa melodia.

Notas

[1] Mining Circle é uma área da Universidade Berkeley que sedia o departamento de engenharia de materiais, com uma sede construída em 1902 e referências à história da mineração na Califórnia.

Sara Berkeley
Nasceu em Dublin (Irlanda), em 1967. Vive nos Estados Unidos, onde trabalha como enfermeira em um hospital psiquátrico na Nova Inglaterra. Já publicou sete coletâneas de poemas, e sua poesia é admirada dos dois lados do Atlântico. Premiada, tem sido frequentemente incluída em antologias importantes. Suas maiores influências vêm de Emily Dickinson e de Robert Hass , com quem estudou na Califórnia (ambos são citados no poema Outono).
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho