fortaleza
que fortaleza guarda a altura desta torre?
por entre as grades, ao longe,
o teu olhar vislumbra outro coração.
sem cor, sem sombra, sem sopro
de vento desalinhando os cabelos.
entre casas e árvores
desenharam rostos e palavras,
com ouro,
mas sem oiro —
silvando por dentro, na distância
entre o entulho e a memória.
uma fenda recorda-nos ruínas —
há tanto tempo sem água.
e no largo vão
por onde mal passa essa imagem
a chuva aquece a luz
desses olhos que não podemos ver —
acolhendo sob o arco a lonjura
e a respiração da carne.
Trujillo — torre-mirante das Jerónimas (sécs. XIV-XV)
…
sopro
que vento atravessa a fortaleza?
perto (muito perto) a gruta, sem vento,
acolhe poeira sobre poeira, vestígios
de ouro e de sangue, por entre o lixo
e os musgos enegrecidos.
sobre o peito, esta imagem.
sobre os tecidos (do peito)
a legenda deste canto
inclinado sobre o mar.
virada à corrente, a imagem dissolve
a maresia, veios e traços que a pedra
dispensa neste mundo —
mãe de um corpo ausente
que hoje repousa
sob as raízes desta serra.
guardo o fogo e o vento.
fecho o diafragma deste corpo,
a força e a aragem
e tento elevar sobre o bosque
este saco com cores e palavras.
recolho a sombra e o caminho.
chegarão à outra vertente — sem vento?
que sopro atravessa a fortaleza?
leio e releio. seguro entre as mãos
o corpo e a esperança, a longa oliveira
deitando sobre a fonte.
o sol ilumina o vidro baço.
não espera (nem deseja) regressar.
Portinho da Arrábida — forte de Santa Maria (séc. XVII)
…
memória
mal oiço o som do alaúde em tua casa.
não consigo ver a pomba
voando sobre a cinza,
no sepulcro da ruína e desta alma.
exumei com os olhos
o mosaico que rodeava, talvez, esse coração —
mergulhado na água e na melodia.
séculos depois, encontro esse rosto
tão cedo escondido.
desenhado no mármore.
como numa fotografia.
esse sorriso escavando a penumbra da nave —
a iluminação das lágrimas
no interior do vidro.
Mérida — estela funerária de Lutatia Lupata (séc. II d. C.)