Poemas de Rufo Quintavalle

Leia os poemas traduzidos "Preenchimento", "Porque a noite", "dentes trêmulos e jasmim"
Rufo Quintavalle, autor de “Weather derivatives”
01/01/2022

Tradução e seleção: Elton Uliana

Filling

Variations on emptiness
clutter my mind, a clot of thought, of bubble wrap,
frogspawn.
It seems the story of the man
whose jaw like a sphincter closed around a pool ball
is a lie but I want to believe it,
plenitude, true.

Preenchimento

Variações sobre o vazio
obstruem minha mente, coágulos de pensamento, de plástico bolha,
ovos de sapo.

É como a história do homem
cuja mandíbula como um esfíncter
fechado em torno de uma bola de bilhar
é uma mentira, mas eu quero acreditar,
plenitude, verdade.

Because the night

Because the night
surrounds us,
because the cold
has got up
through our feet,
because the street
curves gently,
because in the dark
neon and an odor
of felt, because
the cellar door,
because the night,
despite the heart’s
imperative, thins,
because the distant
sky, the stairwell,
because the boat,
the shifty moon,
because the pollen
is a dusty glove
on tarmac, because
the crab is inside
out, because want
warmth, comfort
despair, hessian
and a smell of clay
in rain, because,
despite it all,
a pillow, despite
the streetlights
sleep, despite
the jackhammers
dawn, because
the night, because
the hell of appetite,
because the damp
sand on an empty
beach, because
a quickening, as if
that were enough,
is enough, because,
despite it all,
a lumbering sound,
an odor of fat
on the foggy air,
smoke, the smell
of cows, of grass,
of prehistoric
ferns, because,
despite it all,
a moon like
a membrane, rubber
valve through which
the weather comes,
because the cold,
because the pull
of underearth,
because the endless
weather, because,
despite it all
despite it all
the weather.

Porque a noite

Porque a noite
nos rodeia,
porque o frio
sobe pelos nossos
pés, porque a rua
se curva suavemente,
porque no escuro
néon e um cheiro
de feltro, porque
a porta do porão,
porque a noite,
apesar do imperativo
do coração, se dilui,
porque o céu
distante, a escada,
porque o barco,
a lua mutante,
porque o pólen
é uma luva empoeirada
no asfalto, porque
o caranguejo está
do avesso, porque querer
calor, conforto
desânimo, sacos de estopa
e cheiro de barro
na chuva, porque,
apesar de tudo,
um travesseiro, apesar
das luzes da rua
o sono, apesar
das britadeiras
o amanhecer, porque
a noite, porque
o maldito do apetite,
porque a areia
úmida
na praia
vazia, porque
uma aceleração, como
se isto bastasse,
basta, porque,
apesar de tudo,
um som pesado,
um fedor de gordura
no ar nebuloso,
fumaça, cheiro
de vaca, de grama,
de samambaia
pré-histórica,
porque,
apesar de tudo,
a lua como
uma membrana, válvula
de borracha pela qual
o clima passa,
porque o frio,
porque o puxar
do subsolo,
porque o clima
infindável, porque,
apesar de tudo,
apesar de tudo
o clima

teeth shook and jasmine

my teeth shook       in
my skull  and jasmine
edged            distantly
it was far     and away
the best  we’d known
it           incomparable
afternoon      within a
mediocre year      you
suggested       a picnic
I               stripped off
there & then   celadon
sky     and similar sea
and so much  summer
to get    ourselves into
cars         like vultures
circling                 like
no tomorrow       as if
no          not   like that
tutors                 rather
the learning       curve
or the way     a runner
bean      turns   to grip
and matte paint      on
sun-ladened       walls
while       everywhere
else is         elsewhere
music of        intimate
and              anecdotal
life      stuff           she
screamed              and
screamed              and
no-one came         the
day              advanced
towards its     horrible
end         and anodyne
matter      meant more
and more           honey
suckle               leaves
yellow            and fall
and a tongue       thick
from menthols    dabs
at           dry          lips

dentes trêmulos e jasmim

meus dentes tremeram    no
crânio     e o jasmim
soprava                 à distância
de longe                  a melhor
de todas                    a mais
incomparável              tarde
que tivemos               neste
ano medíocre               você
sugeriu         um piquenique
eu tirei                     a roupa
ali mesmo             céu cinza
esverdeado      como o mar
e quanto                       verão
para desfrutarmos         nós
de carro              circulando
como abutres            como
se não   houvesse    amanhã
como se       não assim não
mentores         seria melhor
curva        de aprendizagem
ou o jeito             da vagem
se enroscar      e se prender
e uma tinta fosca          nas
paredes            ensolaradas
enquanto    qualquer outro
lugar é        um outro lugar
música                 intimista
e       coisas circunstanciais
da vida                          ela
gritou                              e
gritou                              e
ninguém apareceu           o
dia                  avançou em
direção ao seu        terrível
fim                   e a matéria
anódina            significava
cada vez mais          folhas
de                   madressilva
amarelas         e primavera
e a língua               espessa
de mentolado       roçando
os         lábios           secos

Rufo Quintavalle
Nasceu em Londres (Inglaterra), em 1978. Estudou em Oxford e na Universidade de Iowa e atualmente mora em Paris. É autor, entre outros, dos livros de poesia hhereenow, Weather derivatives, Dog, cock, ape and viper. Sua coleção mais recente, Shelf, é uma releitura de Song of myself de Walt Whitman. Dirigiu a série de leitura Poets Live, integrou o conselho editorial da revista literária Upstairs at Duroc, e por vários anos ensinou escrita criativa no campus da NYU em Paris.
Elton Uliana
Rascunho