No silêncio desta hora
Uma tal lei do inevitável,
um certo aparato de passivos,
a vida parece cair pelas beiradas
enterrando os amigos
sufocando os pulmões
adulterando a água dos mares
transplantando consciências
e um eclipse vigorando sobre as bibliotecas.
No artefato peçonhento
do vírus,
o magistério de um alfabeto às avessas:
os falsos profetas da hidroxicloroquina
cultuam suas mentiras,
a impunidade ganha o altar
e a desumanidade, tantas vezes
escondida,
impiedosamente se desvela.
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Pressuposto
Borges não toleraria enxergar
nesse tempo de absoluta claridade
do caos.
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Visita à casa
A casa.
Seiva de um tronco
por abrir.
André Osório
Almoxarifado de memórias,
o passado é ave de arribação
que pousa sobre nossos telhados
com suas garras e sua fome
e um vocabulário de espantos.
Como sedução
ou ferida
(e carbono 14 no bico),
rastreia a necrose que apodrece
as vísceras da casa.
O mofo obstinando
usurpando as paredes
é uma chaga
impondo sua caligrafia demolidora:
nos labirintos do alpendre
(refúgio de antigas aventuras),
uma próspera maternidade de insetos
torna estrangeira minha presença.
Sob o incontido assédio das lembranças,
escavo um sítio de palimpsestos,
albergue de fósseis
de velhos fantasmas.
Entre o ontem e o hoje,
a volúpia do calendário
atravessa a minha vida como uma cicatriz