Poemas de Raymond Carver

Leia os poemas traduzidos "Poema para Hemingway e William Carlos Williams", "A vida toda", "Uma tarde", "Companhia", "Privilégio"
Ilustrações: Conde Baltazar
01/12/2025

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

Poem for Hemingway & W. C. Williams

3 fat trout hang
in the still pool
below the new
steel bridge.
two friends
come slowly up
the track.
one of them,
ex-heavyweight,
wears an old
hunting cap.
he wants to kill,
that is catch & eat,
the fish.
the other,
medical man,
he knows the chances
of that.
he thinks it fine
that they should
simply hang there
always
in the clear water.
the two keep going
but they
discuss it as
they disappear
into the fading trees
& fields & light,
upstream.

Poema para Hemingway e William Carlos Williams

3 trutas gordas passeiam
na lagoa tranquila
sob a nova
ponte metálica.
dois amigos
chegam devagar
pelos trilhos.
um deles,
ex-peso-pesado,
usa um velho
boné de caça.
ele quer matar,
isto é pescar & comer
os peixes.
o outro,
um médico,
sabe das chances
disso acontecer.
ele pensa que seria legal
que os peixes
simplesmente ficassem ali
para sempre
naquela água límpida.
os dois seguem em frente
mas continuam
a debater o assunto
enquanto penetram
entre as árvores
& os campos & a luz que desvanece
rio acima.

All her life

I lay down for a nap. But every time I closed my eyes,
mares’ tails passed slowly over the Strait
toward Canada. And the waves. They rolled up on the beach
and then back again. You know I don’t dream.
But last night I dreamt we were watching
a burial at sea. At first I was astonished.
And then filled with regret. But you
touched my arm and said, “No, it’s all right.
She was very old, and he’d loved her all her life.”

A vida toda

Eu me deitei para um cochilo. Mas toda vez que fechava os olhos,
rabos de éguas passavam devagar pelo Estreito
rumo ao Canadá. E as ondas. Quebravam e quebravam
na praia. Você sabe que eu não sonho.
Mas ontem à noite sonhei que estávamos assistindo
a um funeral no mar. No começo fiquei atônito.
E depois pesaroso. Mas você segurou
meu braço e disse: “Não, está tudo bem.
Ela era velha, e ele a amou a vida toda”.

An afternoon

As he writes, without looking at the sea,
he feels the tip of his pen begin to tremble.
The tide is going out across the shingle.
But it isn’t that. No,
it’s because at that moment she chooses
to walk into the room without any clothes on.
Drowsy, not even sure where she is
for a moment. She waves the hair from her forehead.
Sits on the toilet with her eyes closed,
head down. Legs sprawled. He sees her
through the doorway. Maybe
she’s remembering what happened that morning.
For after a time, she opens one eye and looks at him.
And sweetly smiles.

Uma tarde

Enquanto escreve, sem olhar para o mar, ele
sente a ponta da caneta começar a tremer.
A maré vai secando sobre as pedras.
Mas não é isso. Não,
é que naquele momento ela resolve
entrar no quarto sem nenhuma roupa.
Sonolenta, por um instante
sem saber onde está. Ela afasta o cabelo da testa.
Senta na privada com os olhos fechados,
a cabeça baixa. Pernas esticadas. Ele a vê
através do vão da porta. Talvez
ela esteja se lembrando do que aconteceu de manhã.
Porque, depois de um tempo, ela abre um olho e olha pra ele.
E sorri com doçura.

Company

This morning I woke up to rain
on the glass. And understood
that for a long time now
I’ve chosen the corrupt when
I had a choice. Or else,
simply, the merely easy.
Over the virtuous. Or the difficult.
This way of thinking happens
when I’ve been alone for days.
Like now. Hours spent
in my own dumb company.
Hours and hours
much like a little room.
With just a strip of carpet to walk on.

Companhia

Hoje cedo acordei com a chuva batendo
na janela. E entendi
que há muito tempo
tenho escolhido o errado, quando
havia escolha. Ou então,
simplesmente, o meramente fácil.
Em vez do virtuoso. Ou do difícil.
É desse jeito que penso
quando por dias fico sozinho.
Como hoje. Horas passadas
na minha própria, tola companhia.
Horas e horas
como um quartinho.
Que só tem um tapete estreito por onde passar.

The grant

It’s either this or bobcat hunting
with my friend Morris.
Trying to write a poem at six this
morning, or else running
behind the hounds with
a rifle in my hands.
Heart jumping in its cage.
I’m 45 years old. No occupation.
Imagine the luxuriousness of this life.
Try and imagine.
May go with him if he goes
tomorrow. But may not.

Privilégio

É isso ou caçar linces
com meu amigo Morris.
Tentar escrever um poema às seis
da manhã, ou então correr atrás dos cães
com um rifle nas mãos.
Coração batendo forte na gaiola.
45 anos. Desempregado.
Imagine o luxo dessa vida.
Tente imaginar.
Talvez eu vá amanhã com ele
se ele for. Talvez não.

Raymond Carver
Nasceu em nasceu numa cidade industrial em Oregon e cresceu em Washington (Estados Unidos). Mais conhecido como contista, Carver foi um poeta excepcional. Na verdade, em Carver a poesia e a prosa estão sempre interligadas. Seus contos são poéticos e seus poemas contam histórias. Traduções de poemas de Carver circulam pela internet, e há uma bela coletânea com 50 poemas, Esta vida (Editora 34, tradução de Cide Piquet). O autor faleceu em 2 de agosto de 1988, aos 50 anos de idade, devido a um câncer de pulmão.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhasCemitérios, Exílio, entre outros.

Rascunho