Metempsicose
através da cegueira de Homero
através do manquejar de Byron
através da angústia de Florbela
através da grande sede de Hilda
— caminhei
não
o mundo não é vasto
a poesia sim
…..
Noturno
Poco sé de la noche
pero la noche
parece saber de mí
Alejandra Pizarnik
À meia-noite
as donzelas dormem
e as abóboras apodrecem
Os insones se embalam
num feitiço
de travesseiros malditos
Criancinhas de repente acordam e gritam
nos berços nas sarjetas
— o futuro é um bicho-papão
À meia-noite
uma horda de delicados suicidas
caminha pela Conde da Boa Vista
à procura de amantes assassinos
À meia-noite
na solidão mais profunda
alguém quer ser amado na internet
O caminhão de lixo
passa arrastando-se num ronco animalesco
Devagar
num jardim de Apipucos
começa a orvalhar uma flor branca
E assim do inesperado
tudo une-se num mesmo sonho
— é meia-noite em todos os lugares:
Pequim Greenwich Ouricuri Santa Cruz de la Sierra
É meia-noite em todas as almas
Na Bomba do Hemetério
um certo Edinilson
cai estirado bêbado no chão
Há um suspense
há o vácuo do próximo segundo
E virá?
É meia-noite agora em todas as igrejas
em todos os museus
nos bordéis da Tailândia
nos bailes de Nova Iguaçu
Novas covas serão abertas
nova gota de mercúrio
entrará no rio
Agora te revelo o óbvio:
é muito tarde para recomeçar
— há uma meia-noite no mais escuro de nós
Em alguma esquina
uma boca vermelha pisca em néon
E unidos estamos, camarada
nos ponteiros sobrepostos
nas palavras repetidas
na meia-noite que foi ontem
e que será amanhã