Lugar de coisa nenhuma
A quem creditar a validade disto
Como fazer valer a letra impressa
Como, mais que dizer a mim, dizer à poesia
Que sim, que vale a lida de cada centímetro
De palavra posta nesta folha ordinária
Sem algo de realmente oportuno, rítmico, musical
Com a mão hesitante pela dúvida da premissa
Do juízo imbuído de genuína primazia
No ímpeto do que desliza aos solavancos
Rumo ao vago desta caligrafia
Neste voo raso do verso que pé ante pé flutua
Mínimo no ar, a fim de que se teça o movimento
Falho e acambetado de excogitar este belvedere
O qual não garante sequer razão razoável
— Paisagem alguma —
Para deter-se aqui
— Lugar de coisa nenhuma —
…
Evocação (vírus-vocativos)
quarentenados antenados
isolados conectados
limitados ao metro quadrado
apartados em apartamentos
alojados em alojamentos
enclausurados em recintos
encarcerados em domicílios
aboletados em seus domínios
enquadrados em seus cubículos
enlaçados em seus abismos
esquivos dos convívios
andarilhos dos cômodos
insones dos seus incômodos
encaramujados em suas conchas
enconchados em suas tocas
entocados em suas malocas
malocados em seus recantos
encantoados em seus prantos
ilhados em seus desertos
náufragos de um projeto incerto
encastelados em bolhas de tijolo
dedicados a receitas de bolo
confinados à forma da fôrma
comportados à base da força
aquietados das ruas
recolhidos das estradas
móveis dos imóveis
detentos dos lares
exilados dos bares
protegidos das esquinas
expostos à cloroquina
desagregados da muvuca
restritos à roda que batuca
atentos a todo tipo de uruca
desterrados dos parques
arredados dos ares
aportados dos mares
navegantes do vago
sobreviventes do estrago
…
Vítreo
A Ricardo Aleixo
do rosto
o reflexo
é o amplexo
perplexo
da reflexão