Todos os nomes do amor
Traduzo
as formas da noite
— cavalos, espelhos, iconostases —
na pele branca da aurora:
tatuagem
em teu cóccix, pinturas rupestres, barulho da chuva.
Traduzo
teu nome impenetrável
na linguagem dos surdos.
Sou teu discurso, teu código de honra, tua suma teleológica,
a mais terrível revelação.
Todos os mundos são meus.
e as órbitas incontroláveis
das partículas elementares.
O amor não ousa
a palavra
que quebraria o encanto…
Traduzo
teu nome, os usos, as bulas, a lâmina de sílex,
a descoberta da graça, a confissão auricular.
Penitência: minha língua em teu púbis, suave flagelação.
Todas as raças irão nos servir.
Não haverá fome esse dia
nem a necessidade de cartões magnéticos.
Traduzo
teu nome
noturno e o transcrevo no dorso da aurora,
no muro, no paço, na carne
do movimento operário.
Sou o fim do prenúncio, o sábado, a chaga transfigurada.
Este é o meu corpo:
tomai, comei.
(Me diz se teremos tortas de maçã para o jantar.
Se chegas para o mês.
Se morres de amor.)
Silêncio. Quando o sol nascer
eu quero ser encontrado
nu,
genuflexo,
na mais perfeita adoração.
…
Queda
Alguma coisa quebrou
aqui dentro
como uma tigela
que de repente escorrega do escorredor de louça
e se espatifa no chão.
Alguma coisa quebrou
aqui fundo,
tão fundo
que não sei o que foi
nem onde foi.
Só sei que quebrou
sem ruído,
sem alarde.
Hoje o sono me foge
e a alvorada já não me enche os olhos
nem aquece os meus passos.
Alguma coisa quebrou
no universo,
alguma coisa tão pequena,
tão ínfima,
tão microscópica
que só meu coração percebeu
quando saí para caminhar
esta manhã com meu cão.