Casablanca
As years unwind now reels unwind.
Gray springs out of the hair,
cheeks refill, and eyelids lighten.
Bogie, beautifully indifferent,
seduces a cigarette and womankind.
Ingrid, in perilous rain
intensified by angle shots,
is Juno, fair and fair.
Where France falls and gates clang shut
she faithfully misses the final train.
Now Vichy is dead, and Peter Lorre
less cowardly, and Greenstreet
has gone with the parrot,
and I knew a boy with sandy hair
could do the dialogue all blurry;
cigarette dangling, cheeks sucked hollow,
hands in his jacket pockets,
could do the dialogue
for drinks at any party;
went down with his destroyer, swallowed
in the other half of that real war.
The tough guy, lately dead
of cancer, holds the girl and then they kiss
for the last time, and time goes west
and we come back to where we really are.
Casablanca
Os anos se desenrolam e as bobinas de filme se desenrolam.
O cinza brota no cabelo,
as bochechas são preenchidas, as pálpebras clareiam.
Bogie, lindamente indiferente,
seduz um cigarro e todas as mulheres.
Ingrid, sob a chuva perigosa,
ampliada pelo ângulo da câmera,
é Juno, justa e bela.
Onde a França cai e os portões se fecham,
ela fielmente perde o último trem.
Agora Vichy está morta, e Peter Lorre
menos covarde, e Greenstreet
foi embora com o papagaio,
e eu conheci um garoto com cabelo cor de palha
que podia falar o diálogo todo confuso;
cigarros balançando, bochechas magras e fundas,
mãos nos bolsos da jaqueta,
podiam falar o diálogo
por bebidas e festas;
foi ao fundo com seu destroier, engolido
pela outra metade daquela guerra de verdade.
O cara durão, que mais tarde morreu
de câncer, abraça a garota e eles se beijam
pela última vez, e o tempo corre rumo oeste,
e estamos de volta ao que realmente somos.
…
The presence
Something went crabwise
across the snow this morning.
Something went hard and slow
over our hayfield.
It could have been a raccoon
lugging a knapsack,
it could have been a porcupine
carrying a tennis racket,
it could have been something
supple as a red fox
dragging the squawk and spatter
of a crippled woodcock.
Ten knuckles underground
those bones are seeds now
pure as baby teeth
lined up in the burrow.
I cross on snowshoes
cunningly woven from
the skin and sinews of
something else that went before.
A presença
Alguma coisa andou
com cuidado pela neve hoje cedo.
Alguma coisa andou devagar e pesadamente
por nosso campo de feno.
Pode ter sido um guaxinim
com uma mochila,
pode ter sido um porco-espinho
levando uma raquete de tênis,
pode ter sido alguma coisa
elástica como uma raposa
arrastando berros e borrifos
de uma galinhola aleijada.
Dez dedos abaixo
aqueles ossos agora são sementes
puros como dentes de bebê
alinhados na toca.
Atravesso com botas para neve
cuidadosamente tecidas com
a pele e os ligamentos de
alguma outra coisa que veio antes.
…
After love
Afterward, the compromise.
Bodies resume their boundaries.
These legs, for instance, mine.
Your arms take you back in.
Spoons of our fingers, lips
admit their ownership.
The bedding yawns, a door
blows aimlessly ajar
and overhead, a plane
singsongs coming down.
Nothing is changed, except
there was a moment when
the wolf, the mongering wolf
who stands outside the self
lay lightly down, and slept.
Depois do sexo
Depois de tudo, o acordo.
Corpos retomam suas fronteiras.
Estas pernas, por exemplo, minhas.
Seus braços te levam de volta.
Colheres dos nossos dedos, os lábios
assumem sua posse.
A cama boceja, uma porta
se abre sem propósito
e, lá em cima, um avião
cantarola enquanto desce.
Nada mudou, exceto
por um momento, quando
o lobo, o traiçoeiro lobo
permanecendo fora do eu
deitou-se suavemente e dormiu.
…
The Envelope
It is true, Martin Heidegger, as you have written,
I fear to cease, even knowing that at the hour
of my death my daughters will absorb me, even
knowing they will carry me about forever
inside them, an arrested fetus, even as I carry
the ghost of my mother under my navel, a nervy
little androgynous person, a miracle
folded in lotus position.
Like those old pear-shaped Russian dolls that open
at the middle to reveal another and another, down
to the pea-sized, irreducible minimum,
may we carry our mothers forth in our bellies.
May we, borne onward by our daughters, ride
in the Envelope of Almost-Infinity,
that chain letter good for the next twenty-five
thousand days of their lives.
O envelope
É verdade, Martin Heidegger, como você escreveu,
eu tenho medo de deixar de ser, mesmo sabendo que na hora
da minha morte minhas filhas me absorverão, mesmo
sabendo que elas me levarão para sempre
dentro delas, um feto aprisionado, mesmo que eu leve
o espírito de minha mãe sob meu umbigo, uma diminuta
e ansiosa pessoa andrógina, um milagre
dobrado em posição de lotus.
Como aquelas antigas bonecas russas em formato de pera
que se abrem no meio para revelar outra, e mais outra, até
chegar ao tamanho de uma ervilha, o irredutível mínimo,
que nós carreguemos nossas mães em nossas barrigas.
Que nós, levadas adiante por nossas filhas, viajemos
dentro do Envelope da Quase-Infinitude,
aquela corrente de letras perfeita para os próximos vinte e cinco
mil anos das vidas delas.
…
Continuum: a love poem
going for grapes with
ladder and pail in
the first slashing rain
of September rain
steeping the dust
in a joyous squelch the sky
standing up like steam
from a kettle of grapes
at the boil wild fox grapes
wickedly high tangled in must
of cobweb and bug spit
going for grapes year
after year we two with
ladder and pail stained
with the rain of grapes
our private language
Continuum: um poema de amor
indo atrás das uvas com
escada e balde na
primeira chuva torrencial
de setembro a chuva
encharcando a poeira
num alegre chapinhar o céu
erguendo-se como o vapor
de uma chaleira de uvas
na fervura uvas de cataúba selvagens
perversamente no alto emaranhadas em
mosto de teia de aranha e gosma de inseto
indo atrás de uvas ano
após ano nós dois com
escada e balde manchados
com a chuva de uvas
a nossa linguagem particular