Poemas de Martim César

Leia os poemas "Babilon", "Segredo" e "Vivos e mortos"
Martim César, autor de “Poemas ameríndios”
02/08/2022

Babilon

I
Nada novo sob o sol de Babilon.

A casa segue sendo vigiada.
Apenas as grades estão cada vez mais altas,
Com guaritas expectantes noite e dia.

Olhos eletrônicos seguem espreitando cada movimento,
Com cães, do tamanho de leões, rondando os muros.

Mesmo os beija-flores são motivos de alarme,
Mesmo as borboletas sobrevoando os jardins cuidados
Podem disparar os delicados sistemas.

Apenas os sentidos dos guardas ficaram mais alertas
E disparam toda vez que os pesados portões se abrem
Para que passem seus poucos moradores.

A casa segue sendo vigiada,
Monitorada, observada por cem olhos inquisidores,
Mais cuidada ainda por dentro que por fora.

II
Por não se conhecerem esses dois mundos,
Os de fora acham que dentro vivem
delicados pássaros…

E vivem!
Basta ver seus jardins multicores,
Onde a primavera sempre derrama seu mel,
E suas cores.

Por não conhecerem esses dois mundos,
Os de dentro acham que ali fora vivem
Terríveis aves de rapina.

E não vivem!
São os mesmos delicados pássaros,
Só que sem primavera, sem flores, sem cores
e sem mel.

Nada novo sob o sol de Babilon.

Segredo

Eles nem imaginam
Mas enquanto estão em seus gabinetes,
Maquinando mil maneiras de lucrar hoje
para lucrar ainda mais
amanhã…
Nós, as cigarras,
De bares, teatros e calçadas,
Estamos gastando no presente
Até mesmo o que não temos,
por viver…

Mesmo assim,
temos um segredo:
(Por favor, não lhes contem!)

Somos ricos!…
Imensamente ricos!

Nós guardamos nosso ouro sob as asas!

Vivos e mortos

Muito mais fácil é elogiar artistas mortos
Render-lhes honras, batizar nomes de rua
Porém bem antes — eis a verdade nua e crua! —
É que incomodam, porque pensam e são tortos!

Enquanto vivos, melhor viessem natimortos
Há que esquecê-los, senão sua força se acentua
Estão sempre noutro mundo — que é o da lua! —
Corsários loucos que assolam calmos portos

Depois que partem, aí sim, são bem lembrados
Dá-se o valor que enfim merecem suas obras
Medalhas, placas… algum diploma com louvor…

Mas quando vivos, que sigam assim ignorados,
Pois se valem algo é que seu dorso não se dobra
E se se dobra… é que não têm nenhum valor!

Martim César

Nasceu em Jaguarão (RS), fronteira do Uruguai com o Brasil. Autor de quatro livros de poesia: Poemas ameríndios, Poemas do baú do tempo, Dez sonetos delirantes e um Quixote sem cavalo e Sobre amores e outras utopias. Vencedor por duas vezes do Prêmio Rua dos Cataventos, da Sociedade Mario Quintana de poesia. Também compositor de trabalhos discográficos, com parcerias musicais na Argentina e no Uruguai.

Rascunho