Poemas de Marilda Confortin

Leia os poemas "Largo esquerdo da Ordem", "Bares", "Às vezes acho que te amo, mas logo passa"
01/02/2007

Largo esquerdo da Ordem

Das chagas da igreja, quebrando a Ordem
se ouvem blasfêmias
quando as fêmeas de raças diversas
procuram a praça para cruzar.
Quando uma virgem
Maria Aparecida da Vida
pronuncia o seu santo nome em vão.
Quando uma ave maria cheia de graça
passa na praça
e não pára para rezar.

Das Ruínas, feminina
a cívica união das meninas
se reserva, se preserva
dos olhares de quem passa
quem cruza, quem caça, quem reza,
quem roga uma praga no calçadão.

Nossas boas senhoras do Rosário
rogam por nós, pecadores solitários
caçadores de tesouros noturnos
bebedores, Operários
do Largo esquerdo da Ordem.
Acendem velas para o cura da capela
pela não abolição da escravatura
dos pretos bonitos
da Igreja dos Mortos de São Benedito.

A fibra de vidro dos ponteiros do relógio
conta com flores
quantas foram as horas
premeditadamente matadas
nas Arcadas Franciscanas
e denuncia o atraso no encontro marcado
na frente da crente Presbiteriana
Água benta, água ardente
arte sacra, arte nata
boates, beatas
brotam no mesmo chão.

O Largo é um misto
de santo e profano.
O Largo é isto:
espelho curitibano

Bares

Só gosto dos bares
às terças e quintas.
Nesses dias,
todos os pares são ímpares.
Aos sábados,
todos os gatos são pardos
e as gatas persas.
Si, siamo tutti perduti gracia a Dio!
Segunda é dia de amantes.
Diamantes… até os falsos são brilhantes.
As quartas, são todas de cinzas.
Jejuo. Não sou de ferro.
Sou ranzinza.
Sexta é extensão de expediente,
gente barulhenta,
fingindo que está se divertindo.
Das feiras da semana
gosto mesmo das de domingo:
feira de artesanato
feira de livros
feira livre…
livre pra ficar dormindo.

Às vezes acho que te amo, mas logo passa

É quando chovo
tremulo
umedeço
emulo terra no cio
choro
mas quando estia
te evaporo

É quando acordo
rebooto
reinstalo saberes
sabores
deleito lembranças
reluto deletar-te
salvo-te-mporariamen-te

É quando rio
fluo
deságuo em braços
de afluentes
e me esqueço que sou
somente riacho

É quando sonho
fixo meu olhar na parede vazia
da saudade

Mas tem sempre
um maldito mosquito
que voa de repente
trazendo-me de volta
à realidade.

Marilda Confortin

É autora dos livros Pedradas (crônicas), Triz e Gota a gota (poesia). Ao lado de Thiago de Melo, Marilda vai representar o Brasil no III Festival Internacional de Poesia de Granada, na Nicarágua, entre 7 e 10 de fevereiro.

Rascunho