Poemas de Mariana Machado de Freitas

Leia os poemas "Entre panos e lãs", "Aos teus novelos" e "Automat (de Edward Hopper)"
Mariana Machado de Freitas, autora de “Cães e astromélias”
01/06/2021

Entre panos e lãs

Então, era inverno.
Cobri-me de panos e lãs.
E andava triste — não como homem,
mas como um rouxinol numa tormenta.

Cruzamos agosto.
Setembro é um ovário cheio — de orvalho.

Na janela, agorinha, um chilreio confiado,
o canto mântrico dos anfitriões do dia,
a abertura dos pompons, corolas simples,
o pólen entregue à brisa — a purpurina —,
as veias animais revigoradas.

Acabou a certeza do frio —
logo vem um verão medonho.
A natureza do sul é uma fera, é hostil,
a que sonha matar de intempéries.

Mas por hoje — e alguns dias —,
a terra lateja doce… como a noiva.

…..

Aos teus novelos

Desde o primeiro fio que borda o cerro
vais separando lãs pelas meadas
e, se perdido num mar de novelos,
vejo que fisgas antes as mais largas.

Ao meio-dia, à luz que é tanta e cega,
ao ponto que já não discernes nada,
cerras a pálpebra — é vermelha a treva,
emaranhando anseios pela faca,

com teus moinhos têxteis em batalha.
As ataduras, em suor e lágrima,
vertem teu suco — orvalho novo à terra.

Em persistência desistente erras
até que a ponta rendida é alcançada e
vences o dia num tirão de malha.

…..

Automat (de Edward Hopper)

Quatorze meias-luas, quase cheias,
aos pares, vão, à moda das cadeiras,
atravessando a noite como trilho
ou flocos de vapor do trem perdido…

O aquecedor a óleo, solitário,
aguarda, como um ocre sentinela.
Quem vai dizer que são maçãs de plástico
na fruteirinha que, exibida, espera…

Mas nada iguala à solidão do tampo,
a lua cheia do vazio, do branco…
Estou fazendo companhia a ela.

Mariana Machado de Freitas

Nasceu em Pelotas (RS). Poeta, mestre em Poéticas Visuais (UFRGS), bacharel e licenciada em Artes Visuais (UFSM). Os poemas inéditos desta edição pertencem ao seu livro de estreia, Cães e astromélias, no prelo.

Rascunho