Poemas de Maiara Gouveia

Leia os poemas "Inerme", "Segunda elegia" e "Um Litiokó"
01/03/2007

Inerme

depois de tudo, a cintura entre os dedos
absorvo o silêncio encantado

ela ainda pulsa, não entende,
quando calado sorvo todo encantamento

porque a palavra nesse instante é vã
e a resposta no suor desfalecido
é, sem dúvida, mais válida

— deixa o corpo descansar sorrindo
deixa o silêncio ecoar bebendo
a rosa cálida de sabor divino

mas ela, aflita, pousa em mim uma vontade
ainda tesa e retesada e até no rosto
a vontade repetida reitera.

Segunda elegia
(em três cantos)

I. pesadelo

miares sinistros:
gatos pardos passeiam
entre os cacos do telhado

caem ríspidas,
como um golpe de navalha
folhas escuras sobre a pele

a noite
quebrou-se em sombras,
nacos de alma em carne viva

nenhum súbito ímpeto
relampeja entre as nuvens
maciças de cinza sujo

II. sonho

a sala ampla e arejada,
o frescor das tardes de primavera:

um vestido leve de seda pura
em tons pastéis, o breve baile
entre beijos suaves

lá fora,
o sol estende-se em estupendo lençol
feito uma plantação de laranjas

lá dentro,
as cores do vestido parecem mais quentes,
lampejo de corpos, fagulhas de vida

III. despertar

na flor da pele
a alma na boca
o sangue de orvalho

Um Litiokó

Suponhamos,
você me convence
de que eu devo levantar
a blusa, só um pouquinho, pra você
encostar de leve a língua em meu umbigo
e ver a pele molhadinha só um pouquinho, só um
pouquinho, não é mesmo? Então, seguindo esse raciocínio,
apertando-me a cintura até eu perder o tino, esfregava a barba no
meu rosto e o corpo bruto contra o ventre amolecido, mordia o pescocinho,
murmurava na orelhinha uns segredinhos devassos, enquanto seu torso imponente
comprimindo minha barriguinha; assim, naturalmente, gozava na minha cara e depois dormia?

Suponhamos, no entanto, que eu prefira vê-lo de joelhos. E ordene: de joelhos! Agora vá
beijando meus pés até que eu mande você parar; mas antes, grite: “minha deusa, minha
deusa!” implorando complacência, depois deite. Pra que eu possa encaixar o meu
quadril no seu e cavalgar, enquanto falo sobre o quanto foder com outro
homem, nesse instante, poderia ser igualmente bom, ou até melhor,
dando uns tapas na sua cara engraçada, cheia de espanto, e, de
repente, te fizesse com os
dedos tudo o que um
homem não pode
fazer com o
membro.

Maiara Gouveia

Nasceu em São Paulo, em 1983. Os poemas aqui publicados integram o livro O silêncio encantado, finalista do Prêmio Nascente da USP/2005 e ainda inédito.

Rascunho