Sermão do anônimo padecente
O prudente varão há de ser mudo.
Gregório de Matos
Com asco desta e de outra vida estando,
lendo Camões como se Bíblia fosse,
eu fujo à lida de entender o mundo.
Senatoriais pecados. Vagabundos.
Esses anões do grande ornamento,
os cascos no coral de Bob Fosse,
a flor no alheio horto e revirando
(tantos ais) nos purgatórios fiscais.
A procissão de bodes no inferno
sem Dante, nem Durante, me entontece.
Nada tece a esperança do descrente.
Ouvir um Salmo de Davi e um soul
para lembrar-me de quem fui e sou:
apenas um anônimo padecente.
…
Múltiplo sermão
Honestos. Mas em recesso.
Orso Cremonesi
O medo pinta o rosto de vermelho.
O medo. Ou a culpa. Ou a vergonha.
Está faltando tinta no Congresso.
Eu nada peço. E sempre de joelhos
(nas lajes desta cela ou desta cruz),
persigo a consciência no espelho.
Eu, frei Eusébio do Amor Perfeito.
Não sou pornógrafo. Acho que não sou.
Porém, que água lava tal estábulo?
Não tremais, frei Ambrósio do Pavor
Sagrado. Não estamos no Senado.
Isto é a capela. Isto é o parlatório.
O cantochão comove o nosso hábito.
Eu leio da Compadecida o Auto.
Eu, frei Anselmo do Silêncio Cauto.
Abençoado o vento da campina
(uns vendem gado sem dar nome aos bois)
e o som do órgão no jardim fechado
(uns vendem bois sem saber do gado).
Lavagem ou batismo de dinheiro?
Por isso tudo eu me recolho ao espanto.
Eu, frei Perpétuo do Castigo Santo.
Abro a porta do averno caudaloso.
Eu, frei Severo do Clamor Doloso.
Transformo a minha ira em lira e hino.
Eu, frei Demétrio do Fervor Divino.
Forro meu chão com livros de direito.
Talvez eu ore. Ou talvez eu chore.
Revejo lobos com pele de lobos
durante a homilia dos cordeiros.
O medo. Ou a culpa. Ou a vergonha.
Tudo se esconde no alheio leito.
Deixo o mosteiro e vou para Congonhas.
Eu, frei Eusébio do Amor Perfeito.
…
Diálogo do sublime amor
Quantos há que os telhados têm vidrosos.
Gregório de Matos
Bela, conspícuo chupo o vosso buço.
Conspícuo chupo o vosso buço, Bela.
Prata. Não faltará no fim do mês.
Não faltará no fim do mês a prata.
Vejo o porvir no fundo da capela.
E muita nata, Bela. Muita nata.
Grávida estais. Pois contende o pranto e o susto.
Vosso buço ofertai ao meu soluço.
Ávida estais. Eu vos escuto, Bela.
Pressinto os direitos deste ventre.
Herdeiro rima com dinheiro, Bela.
A prata sempre paga a nata e a vela.
Tonta não sejais. Vede a vossa conta.
Agora de bruços. E o corpo em sela.
…
Sermão da amarga renúncia
Nenhum país sai ileso de seus políticos.
Bradford Williams
Ouvir os oradores da renúncia:
eles estalam de dores e argúcia:
mastigam santidade e inocência:
lágrimas na pronúncia: cinza na idade.
Ratos eleitos pelos roedores.
Só uso o meu perdão com o sal da terra:
os crentes com o mandato da miséria.
As hordas de doutores e calhordas
ou hostes de lacaios e prebostes
merecem postes. Nada mais que postes:
estacas do fogo e do óleo ardente.
Eleitos, soberanamente eleitos.
Empreiteiros do vazio e do oco.
Dementes. Quero que suportem o soco
de frei Eusébio do Amor Perfeito.