Raízes
Não sei se gosto mais de língua ou de planta.
Gosto da língua da planta
da língua silente das plantas
da língua semente
dormente
das plantas.
Gosto do pé de planta
e da grama na planta do meu pé.
Minhas pernas têm batatas
minha língua tem paineiras
minha língua tem espinhos
e água, estrias e paina.
Minha língua e a da planta
são a língua una e multiforme
daquilo que respira.
Caminho da escola
Não soltamos as mãos, ainda
que a dela, pequenina,
esteja molhada de suor.
É meio-dia sem sombras.
As árvores desfolhadas
estalam no calor.
Nossas palmas deslizam
uma na outra.
Estariam mais frescas separadas
mas o amor é quente.
Tarde
Falta-me tempo.
Nada mais em mim espera,
nem os ovários, nem os joelhos,
nem os raros fios de prata
mofinos e encrespados
que de vez em quando teimam
na cabeleira negra.
As crianças todas alfabéticas
enquanto minha ortografia hesita,
obsessiva.
O solo me atrai com mais força
gravidade intransigente
pressurosa em me tragar.
É tarde para recomeçar,
estou pesada.
Os músculos já não podem com a carga
de ossos, gordura e dor.
Depois que me secaram os seios
fui buscar outras formas de dar vida
— única razão de seguir vivendo.
Mas a poesia é tão longa,
tão longe
tão velha que não sei
se meu tempo chega.